PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - Podem-se criar jogadores mais fortes, disciplinados ou até inteligentes. O que não se pode criar é talento. Esse é propriedade genética do jogador, nasce com ele. Por isso, é o mais valioso traço que pode ter. Todos os outros podem banalizar-se no coletivo da equipa. O talento nunca.
A crónica sobre o que não existia necessidade nenhuma de escrever
O problema é que ao contrário daqueles traços mais rudimentares ou de laboratório, o talento tem uma sensibilidade de cristal. Se não tivermos cuidado, cai ao chão e parte-se. E, depois, é um problema para voltar as colar os pedaços dessas porcelanas futebolísticas.
Leio José Tavares, ex-coordenador da formação do FC Porto, e ele toca num dos pontos mais delicados da atualidade. As transferências/saídas precoces desses talentos do clube/berço formador: "Neste mundo acelerado em que vivemos, os timings certos não são os do ego, da mente de cada um, dos pais e dos agentes, mas da realidade que nos está à vista. Se tivermos a sabedoria de esperar pelo momento certo, as coisas acontecem como se quer".
2 - Está aqui tudo para entender o risco de mexer no "cristal do talento" sem saber nem ter cuidado, como acontece tantas vezes. Fala que com Fábio Silva poderia ter sido diferente e percebe-se como, tendo agora a humildade de dar passos atrás (do Wolverhampton para o Anderlecht, liga belga). Pressentia-se na altura que (apesar dos valores financeiros insuflados pelo superagente) aquele era desportivamente um passo fora do tempo e da medida certa para a evolução (maturação da formação) do seu talento. No duro futebol inglês, naturalmente, caiu e partiu-se. Agora há que voltar a juntar-lhe os pedaços do talento sobre o qual ninguém respeitou etapas de crescimento no momento em que falaram mais alto as necessidades do negócio.
3 - Repare-se que cada caso é diferente. O que não era o tempo de Fábio Silva podia ser para outro talento da mesma idade. Depende de perceber e respeitar esse momento certo. Custa é ver subverter esse processo em nome daqueles fatores e personagens que gravitam em torno do talento, usurpando-o.
Por isso, apesar das transferências sonantes, o talento para o qual, nesta pré-época, olho com mais carinho e medo é o de Gonçalo Borges (21 anos), Diego Moreira (18), alas truculentos, e Rodrigo Ribeiro (ainda 17), mais "9 móvel". Todos, ainda com a casca de ovo na cabeça, a entrar no mundo adulto (equipa, jogo e o tal entorno de fatores) de Porto, Benfica e Sporting.
O que eles têm é o melhor que o futebol pode ter. O que acrescentarem será da aprendizagem e crescimento. Para isso, estarão os treinadores (sujeitos ao destino desrespeitador). Resta esperar. Talvez romanticamente, admito, mas quando eles entrarem em campo, neste habitat de tempo certo, vou sentir que é o respeito pelo futebol e o talento que está (ainda) mesmo ali.
Taarabt, o fim da anarquia
É outra forma de falar de talento. Neste caso, do seu próprio dono nunca ter sabido exatamente como o usar com consistência ou equilíbrio emocional. Por isso, mais do que razões futebolísticas, a dispensa do talento de Taarabt pressente razões de personalidade.
Durante toda a carreira, Taarabt quis sempre ser mais do que era (ou deixavam ser) dentro do campo no contexto da equipa. Na verdade, o que acho mesmo é que ele sempre quis ter sido um jogador noutro tempo, onde pudesse ser um nº. 10, e mais do que lhe darem ordens ser ele a gritá-las. Uma espécie de independência tática. Um talento anarquista.
Quando não saber usar o talento faz do jogador numa ameaça
O futebol não evoluiu nesse sentido. Pelo contrário. Condenou essas tentações anárquicas dentro do campo e passou a ver como ameaça essas personalidades. Passou a recear o poder subversivo dessa expressão de talento e, viu-se agora, nem sequer o admitiu como recurso para ter no banco. Ele nunca aceitaria passivamente essa menorização. Ficar sentado enquanto, mesmo à sua frente, na relva, assistia ao futebol da intensidade e dos robôs da tática.
O novo Benfica de Schmidt pressupõe soldados de pressão antes de anárquicos da criação. No meio desta equação existe um fosso existencial onde cai e parte-se conceptualmente o talento e Taarabt, com o temperamento, a impulsionar a decisão.