O sedutor "sair a jogar" não pode ser um dogma
Como a pressão do FC Porto comeu o Famalicão: o sedutor "sair a jogar" não pode ser um dogma que supere a inteligência de jogo
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1 - Um terceiro médio e tudo muda. Podia ser assim numa frase e no acrescentar dum simples jogador que se poderia explicar como o FC Porto passou duma exibição triste para uma exibição com "garrafa tática" cheia de alegria em poucos dias.
Seria, porém, demasiado redutor porque esse elemento foi parte de um plano de jogo global que deu um novo equilíbrio e capacidade de desequilíbrio à equipa. Ou seja, a entrada do terceiro médio, passando de 4x4x2 a 4x3x3, cruzou a passagem de Otávio da faixa para o centro (colocando-se à frente de Danilo e Uribe, que se soltou mais para pressionar e rematar) com a passagem de Corona de lateral para extremo, dando uma criatividade, vertical ou por dentro à faixa direita.
No outro flanco, surgiu Manafá a voar no lugar de Alex Telles, a atravessar fase de claro desgaste, combinando com Luis Díaz, que desequilibra individualmente com visão... coletiva. Mesmo desfazendo a dupla de pontas de lança (sem poder de explosão, Marega fica exposto às suas limitações técnicas) colocou, nesta formula tática, a equipa quer a defender melhor (travando a saída de construção de jogo interior do Famalicão, tapando o pivô Assunção e o n.º 8 Guga) quer a atacar melhor (porque mantendo sempre um n. º9 de área, Soares, resgatava a profundidade vertical ou diagonal pelos flancos).
2 - Com esta mordaça no seu modelo, o Famalicão nunca conseguiu "falar com bola". Tem uma ideia de jogo atraente, mas para este jogo mais do que uma afirmação de identidade, precisava duma afirmação de personalidade e, para isso, seria necessária outra nuance de "saída de bola" em vez da insistência num princípio que por mais sedutor que seja estava a expor a equipa à pior consequência: não conseguir sair.
Eu sei que optar nestes casos por sair batendo em profundidade seria a antítese do que anda a dizer aos jogadores em termos de modelo desde início da época, mas o orgulho da identidade num jogar só é ideologicamente uma qualidade enquanto não for superado pela inteligência.
Defendi foi fazendo defesas "impossíveis" (dando tempo para a equipa se adaptar à realidade do jogo), mas um novo passe interior em bloco baixo a tentar sair com linhas cortadas pela pressão portista acabou por, perto do intervalo, furar, por fim, a baliza famalicense.
Não vejo em que "jogar na profundidade" em vez de entregar-se ao risco de "sair a jogar curto" iria trair a identidade. Seria uma nuance de necessidade competitiva concreta (iria até causar dúvidas no adversário que da próxima já hesitava em fazer pressão alta ou não) e depois podia voltar à sua filosofia quando a tempestade passasse. Entregar-se a ela como uma inevitabilidade não faz sentido.