O que fez Fernando Santos gostar mais de Pedro Gonçalves?
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Curioso como Fernando Santos se refere a Pedro Gonçalves e como decidiu convocá-lo: "Havia coisas nele de que não gostava tanto, mas melhorou muito nos últimos dois ou três meses". Tendo em conta que nenhum jogador muda a essência (real valor e características) em tão pouco tempo, essa metamorfose teve que ver com o seu comportamento no jogo. Quando o selecionador acrescenta que ele "pode jogar em qualquer lado", torna-se mais fácil seguir a pista da mudança.
O final da época do Sporting exigiu-lhe um comportamento tático diferente e mais intenso na relação entre os diferentes momentos do jogo, sobretudo o defensivo, na transição pós-perda da bola. Foi esse Pote, como também o que jogou, por vezes, a nº 8 num meio-campo de dois médios, obrigado a percorrer (lendo ao mesmo tempo) mais espaço de jogo, que convenceu Fernando Santos. Deixou de ser o Pote entre linhas à espera da bola e dócil sem ela, para abrir amplitude de ação (recuando-avançando-recuando), buscando a bola antes de a esperar. Jogar em qualquer lado é, por isso, ocupar qualquer espaço.
A consciência do treinador que é na relação/entendimento com os jogadores que está o segredo para todos verem como ele afinal treina bem
O que é ser bom treinador
1 - Todos os treinadores, mesmo com sensibilidades diferentes, têm de partir duma premissa de senso comum para se ajustar numa equipa e com os seus jogadores. Muitas vezes, a chave está mesmo nas perguntas e respostas para com eles próprios. Até ao pormenor de "qual é a melhor solução para esta jogada?". Ambos podem reparar em coisas diferentes para chegar ao mesmo lugar. O habitat comunicacional nosso futebol tem tendência a cultivar treinadores com personalidade altiva, que fogem a exposições públicas. É uma questão de cultura e mentalidade. Nada disso impede, porém, que no seu circulo privado sejam o oposto.
Jesus exacerba o ego quando ganha mas, no fundo, também joga com esse senso comum. Leio uma entrevista com Aimar, agora treinador das seleções jovens da Argentina, e ele, citando quais são as suas referências, fala dos tempos com Jesus e como ele hoje o influencia até na criação de exercícios.
2 - Jesus exacerba o ego quando ganha mas, no fundo, também joga com esse senso comum. Leio uma entrevista com Aimar, agora treinador das seleções jovens da Argentina, e ele, citando quais são as suas referências, fala dos tempos com Jesus e como ele hoje o influencia até na criação de exercícios.
Lembra, então, um dia, no seu primeiro ano na Luz, em que o viu jogar junto com Saviola. Estavam a realizar um exercício de treino e, de repente, ele acaba com a sessão quando ambos fizeram uma grande jogada em conjunto e gritou: "Já chega. Agora, com estes jogadores todos, vão ver que como eu sou um bom treinador!" Esta história, simples e exemplar, desmistifica a tática e devolve poder aos jogadores. A dupla Aimar-Saviola interpretava então, na plenitude, as ideias de jogo de Jesus.
3 - O futebol aceita todas as opiniões e estilos. Tal como Jesus, também Conceição no FC Porto foi encontrando as suas razões e argumentos de perceção exterior que julga o bom treinador à medida que foi encontrando (comunicando) com os seus jogadores. Os estilos são o oposto, mas quando mecanizou, para fazer as boas jogadas que queria, a dupla Marega-Soares, em conjunto arrombou defesas adversárias (e conquistou o titulo). O principio é o mesmo embora os jogadores (Aimar-Saviola, Marega-Soares) viam em polos estilísticos opostos.
A introdução de novas variáveis de estilo no perfil dos jogadores muda aquilo que chamo de tática individual. Ou seja, o perfil do jogador no mesmo espaço desenha as ideias de forma diferente (embora com o mesmo fim). O trabalho de Conceição com Taremi passou muito por essa aculturação, mas o jogo de perguntas e respostas teve de ser reciproco. Não sei até que ponto Jesus o conseguiu (tentou) com Darwin e Cebolinha. Porque as qualidades dos jogadores são indiscutíveis (digo qualidades porque quero falar nos traços caracterizantes do seu jogo).Cada vez me convenço mais que o futebol não é a ideia, mas sim o momento (como e quando) se aplica a ideia. Então sim, podem ver como ali está (sempre esteve) um bom treinador.