Teoria do caos - Uma opinião de José Manuel Ribeiro.
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Em Portugal, começou com o andebol. Derrotada pelo Egito na primeira jornada dos Jogos, a Seleção caiu na mira dos críticos, o que levou a um contra-ataque furioso. Esta gente saberia que os egípcios foram sete vezes campeões de África e seis vezes vice-campeões? Que esta é a sétima participação nos Jogos, enquanto que os portugueses competem pela primeira vez?
Os atletas ganham e convencem-nos. Só se livram de nós desconvencendo-nos
Num instante, o debate saltou para a cultura desportiva que nem os comentadores televisivos têm (os famosos "tudólogos" ou ESPON, Especialistas de Porra Nenhuma, em que eu sou obrigado a incluir-me), e daí para a apologia dos atletas olímpicos, sobretudo os nacionais, a quem não se pode exigir medalhas, por isto e por aquilo. Depois, o grande choque mundial e a globalização do tema: a melhor ginasta da história, Simone Biles, atirava a toalha por não se sentir mentalmente capaz de competir. Nos melhores jornais do mundo, brotaram artigos floreados sobre a pressão, a saúde mental dos desportistas e, seguindo o mesmo ciclo, da responsabilização exagerada que se coloca em cima dos atletas. Descobriu-se a pólvora psicológica, ao cabo de mais de um século de olimpismo.
Não existem movimentos, gestos, que não sejam aperfeiçoados até à exaustão.
Cultura desportiva é, no mínimo, saber que a alta competição custa. São privações e sacrifícios intervalados por raros momentos de êxtase e frequentes convites à depressão. No caso muito, muito especial da ginástica artística, falamos de crianças que começam, às vezes, aos dois ou três anos de idade a condicionar articulações e músculos que, um dia, hão de permitir-lhes fazer coisas bastante próximas do sobre-humano. O risco, até de vida, de alguns exercícios obriga a uma concentração sem margem para falhas, 25 a 40 horas por semana.
Praticamente, não existem movimentos, gestos, que não sejam aperfeiçoados até à exaustão. Para cúmulo, há quatro décadas que a ginástica foi tomada pela escola romena, capaz de fazer o sargento do filme "Full Metal Jacket" parecer uma professora do jardim-de-infância. São inúmeros os casos de atletas que competiram lesionados, até com fraturas, sem falar nos abusos, psicológicos, físicos e, como sabemos, até sexuais.
Não fiquei escandalizado com a medalha de bronze de Jorge Fonseca, no judo, nem me passa pela cabeça insultá-lo
Mas querermos que um Djokovic não se sinta pressionado a ganhar o torneio de ténis olímpico ou que, por artes mágicas, a melhor ginasta de todos os tempos não sinta os olhos do mundo sobre ela, é não perceber a essência do desporto de massas. Não fiquei escandalizado com a medalha de bronze de Jorge Fonseca, no judo, nem me passa pela cabeça insultá-lo ou escrever um artigo indignado a proclamar que deixou o país ficar mal. Mas esperava o ouro e fiquei desiludido, sim, e ele precisaria de não ter qualquer autoestima para desconhecer que a maioria dos concidadãos tinha essa expectativa. O que ele ganhou nos dois títulos mundiais foi essa confiança e admiração da nossa parte, que não podem ser retiradas ou adicionadas consoante isso seja bom ou mau para a sua saúde mental.