O principal adversário do Benfica é hoje ele próprio

1 Não foi um jogo muito diferente de outros. Começou com David Neres no banco e melhorou quando David Neres entrou em campo. No jogo anterior, acontecera o contrário. Começara com Neres em campo e piorou quando Neres foi substituído.

Estas simples constatações (de Chaves a Milão) levaria a quem não sabe o que se passa a perguntar: mas Neres é assim tão bom jogador para, sozinho, na presença ou na ausência, mudar tudo?

Não, na verdade, mesmo sendo um belo jogador a tratar a bola e fintando adversários (para passar ou rematar), o impacto acontece mais porque é um jogador totalmente diferente dos outros que o Benfica tem ou lança de início no seu sistema.

Tem criatividade e quando joga mesmo aberto (habitat dos velhos extremos) muda a forma de atacar e criar desequilíbrios ao adversário numa equipa encarnada que vive na maior parte do tempo metida num quadrado sem saída em jogo interior. Não é um problema de hoje. É um problema de sempre desta época. Das vitórias e das derrotas (mas só suscita debate nestas). O jogo interior tem de ter sempre uma porta de saída.

2 O campeonato entra na fase decisiva em que se cruzam fatores táticos, físicos e mentais. A técnica potencia ou disfarça tudo isto.

O desgaste que se sente no onze-base benfiquista de jogadores insistentemente repetidos num circuito de jogo cristalizado é, dizem, desmentido pelos dados de GPS sobre o muito que eles correm durante os jogos. Pura ilusão. Até podem correr mais do que nunca. O desgaste no futebol não é medido dessa forma atlética mas sim nas opções tomadas no jogo.

Os velhos argentinos, quando viam um bom jogador a correr muito (sem parar), franziam o sobrolho e diziam-lhe que "correr é para cobardes". Era, claro, uma forma irónica de dizer que a inteligência (a cabeça) e não a correria (as pernas) é que fazem verdadeiramente a diferença do "jogar bem".

3 O importante é sabe parar, olhar e fazer a bola correr na velocidade de jogo certa. O lado mental é decisivo para que isto funcione sem ansiedade o que, então, faz então da tática o amigo coletivo perfeito para a equipa jogar.

Nesse sentido, vejo a confiança que FC Porto e Braga hoje exibem, mesmo atrás na classificação, e, pelo impacto dos últimos jogos/resultados, sinto que neste momento o principal adversário do Benfica é ele próprio. Isto é, os adversários do campeonato não cresceram de tamanho. O Benfica é que os vê maiores porque na sua cabeça eles cresceram na medida em que teve consciência das suas limitações de modelo de jogo (sem alternativas criadas) e o bloqueio mental passou a tomar conta da confiança com que antes o seu onze-base antes quase andava sozinho em campo (e ganhava jogos). Os próximos desafios mentais (os próximos jogos) serão tática e fisicamente decisivos. Com David Neres têm, claro, um aliado.

E se Liedson fosse deste Sporting?
Amorim tentou desmistificar a questão do ponta-de-lança perguntando quantos títulos de campeão o Liedson e o Derlei, goleadores fabulosos, tinham ganho no Sporting. Nenhum, de facto. A questão, porém, é que ganharam noutros lados. O Derlei no melhor Porto de Mourinho e até o Liedson, já fisicamente moribundo, foi decisivo na jogada do golo do Kelvin-minuto 92.
Ou seja, essas equipas atrás deles eram globalmente melhores do que as que tiveram no Sporting. Como este atual onze leonino e até a operacionalização de jogo de Amorim é também mais forte do que outros desse tempo em Alvalade.

Arrisco, por isso, a dizer que esse Liedson metido nesta atual equipa do Sporting seria o complemento ideal que falta entre bom jogo e golo para fazer o Sporting ganhar mais vezes (fazer mais golos, final) e ser campeão.

Claro que esta afirmação não pode ser provada como a lançada por Amorim tem uma verdade relativa ao tempo em que Liedson jogou em Alvalade e não com transfer para o presente.

O título conseguido com Paulinho a nº9 é o único palpável. O hipotético se o Liedson daquele tempo jogasse hoje é puramente virtual, mas dá vontade de o colocar no terrível mundo dos "ses" que toma conta do futebol (e hoje desta equipa do Sporting e seu ponta-de-lança sonhado).