PLANETA DO FUTEBOL - A análise detalhada de Luís Freitas Lobo.
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1 - A capacidade de um treinador reside muitas vezes no acerto em saber distinguir os jogadores que possuem capacidade criativa e os que possuem capacidade organizativa. É comum confundir-se um com outro mas entre um criativo e um organizador existem muitas diferenças.
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Podem, claro, juntar-se os dois traços no mesmo jogador (são esses os craques do centro do meio-campo) mas quando se procura alguém para aplicar o pensamento a maior amplitude de relvado (e diferentes espaços) é a visão do organizador que é fundamental.
O Manchester City, como Guardiola já fizera noutras suas equipas, mete um dos laterais a jogar como interior no início da construção de jogo. Dessa forma, acrescenta mais um elemento ao meio-campo, o chamado jogador-extra, para trocar a bola e fazer avançar a construção ofensiva desde trás. No Bayern, Lahm ou Alaba faziam isso. No City, quem faz isso hoje de forma exemplar é Zinchenko (que na seleção da Ucrânia até joga como médio-centro).
Para começar como lateral (na faixa) e saber o momento certo para ir jogar "por dentro", sem desequilibrar a equipa na perda da bola, é necessário uma cultura tática muito evoluída. Por isso, nem todos o podem fazer. Em épocas passadas no Manchester City, Guardiola fez isso, no título dos 100 pontos, com Fabian Delph. Um médio aparentemente banal, só operário, mas com esses dotes extra de visão multidimensional dos espaços e posições. Atualmente, por exemplo, é impossível fazer isso com Mendy, um jogador sempre metido no jogo, mas sem essa visão tática e que precisa da faixa para jogar o seu futebol (sem a tal vocação organizadora do centro).
Chama-se a isto, na relação entre jogadores e jogo, a anatomia dos fundamentos de jogo.
2 - O At. Madrid caiu frente ao Chelsea tentando mudar taticamente no jogo mas foi impressionante como, guiado pelos múltiplos planos de fuga à pressão de Kanté, nunca conseguiu estar por cima do jogo. No plano de Simeone esteve mesmo deixar o seu hoje habitual sistema a 3 e passar para 4x2x3x1 metendo quatro homens a pressionar logo na frente os três centrais (em 3x4x3) do Chelsea. Tentou com Suárez, ponta-de-lança, a pegar no central do meio do Chelsea que saísse a jogar, mais Félix atrás e Carrasco e Llorente nas alas, a cair em cima de Azpilicueta ou Rudiger se o Chelsea quisesse sair com eles ("por fora"). Astuto, o onze de Tuchel batia longo e, assim, saltava sempre essa pressão.
Ao intervalo, Simeone voltou ao seu 3x4x2x1 mas a situação repetiu-se, mesmo metendo mais mobilidade na frente, tal a forma como agora o Chelsea saía em condução interior com Kanté a vir buscar, e não deixava a bola entrar nos laterais projetados "colchoneros". Notável.
3 - Ao ver, primeiro, o Chelsea travar a sua intenção de pressão alta e, depois, saber sair rápido desde trás em posse, Simeone desesperava na berma do relvado. No silêncio das bancadas vazias, ouve-se tudo pelo que os seus gritos de "Dale! Dale! Córtalo! Córtalo!", ecoavam quando via Havertz sair rápido de Trippier e invadir veloz, em posse, o meio-campo madrileno. Simeone queria, naturalmente, que se fizesse falta para matar a jogada e nada disso significa apelar a jogo violento ou entradas duras (para isso está a ação disciplinar do árbitro). Ou seja, fazer faltas faz parte do jogo e Trippier tinha de ser rápido para (se não conseguisse desarmar Havertz) conseguir travá-lo com uma falta, agarrando-o. Falhou e deu golo.
4 - Este debate (ruído acusatório) que se faz hoje em torno das frases e palavras gritadas no calor do jogo, dentro do campo ou desde os bancos, não tem sentido. Confunde-se o natural apelo para fazer uma falta com o jogo violento e as palavras mais implacáveis não têm essa força/conotação. As chamadas faltas táticas matam o jogo e travam o jogador mais perigoso. Faz parte da dinâmica natural do jogo e Simeone enfurecia-se vendo como os seus jogadores (que ele quer sempre no limite da agressividade) não o conseguiam fazer. Perdeu gritando agarrado a eles.