PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
Corpo do artigo
1 Quando o planeamento traído além-treinador muda a dimensão das opções, resta ao homem solitário do banco refazer, ele próprio, os seus planos para a equipa. A dimensão emocional de Conceição expressou-se numa frase de total racionalidade. Um momento raro em que emoção e razão, em vez de entrarem em conflito, encontraram um equilíbrio existencial.
Já poucos se lembram de que Corona (mentalmente eclipsado esta época) foi o jogador-mais do último título nacional portista. A sua saída, por isso, foi vista como estranhamente natural. Sérgio Oliveira também tivera as chaves do meio-campo mas, entretanto, surgiram outros exemplares, de Vitinha a Fábio Vieira, e mudaram, com classe operária-tecnicista, as fechaduras táticas do setor. Só quando se chegou ao jogador que muda jogos sozinho, Luis Díaz, o cenário mudou objetivamente. Mais do que mexer na forma do FC Porto jogar, mexe radicalmente na forma de o fazer ganhar jogos.
2 É uma saída que dará maiores responsabilidades à equipa. Para além de como constrói o jogo para ganhar, afinar outras formas de o definir. É, no entanto, curioso notar que a primeira coisa em que penso ao ver Galeno como o seu substituto natural é que, embora ele tenha um estilo muito semelhante de ataque à profundidade, é exatamente por ser, nessa expressão de jogo, um ser muito mais individualista, que não será possível esse transplante imediato na posição.
Na evolução de Díaz esteve também um crescimento a nível de fundamentos de jogo (critério de movimentações e direção de espaços para receber e/ou arrancar). Galeno é explosivo mas não tem isso. Quando não consegue por ele próprio acabar as jogadas que começa, tem dificuldade em definir bem (entenda-se tomar a melhor opção de passe, porque na sua cabeça, enquanto tinha a bola, esteve sempre só como rematar). Aprender a ver a sua própria equipa antes do adversário é o principio para jogar e acabar as jogadas de ataque da melhor forma (com remate ou passe, ambos então com marca de golo).
3 Por isso, e vendo até todo o traço de jogo mais associativo que caracteriza hoje o estilo da equipa a elaborar jogo e jogadas, Pepê será um elemento taticamente mais capaz de, a partir dessa posição, dialogar com ela.
Imagino que Conceição, ao chegar a este plano de raciocínio, fique então perante o dilema de perceber que, assim, perde muito do ataque à profundidade que, mesmo com a mudança de estilo-macro de jogo da equipa, é preferencialmente adepto. Ou seja, muita da mudança de estilo resultou das características dos jogadores que passou a ter (e soube potenciar). Essa continuidade de potenciar jogadores dentro dum estilo menos de ataque profundo terá, agora, de ter uma segunda fase de evolução cada vez ainda mais coletiva.
Inteligência veloz sem "carris"
Uma das melhores formas de Conceição ficar mais sensível ao jogo associativo pelas faixas, em vez da velocidade de ataque à profundidade embalada desde trás (que fez chegar jogadores do tipo Manafá, Nanú ou Zaidu) está no melhor lateral-direito que teve nestes quatro anos de FC Porto: João Mário, um jogador de outro tipo, feito lateral a partir da sua inteligência de jogo construída e não das meras características físicas de jogo natural. Onde os outros correm com a língua de fora a arrastar pelo relvado, João Mário seleciona a mudança certa a meter na sua caixa de velocidades e define no "timing" certo cruzamento ou tabela.
A subida de um lateral ao ataque tornou-se no futebol atual tão natural que a seletividade desequilibradora que isso tinha no passado perdeu-se. O adversário já está, desde inicio, à espera da sua chegada "sob carris". A chave para voltar a surpreender nessas investidas está na diversidade de como (e quando) as fazer. Perceber quando devem ser no tal traço velocista ou, pelo contrário, mais no traço associativo que confunde o que o marcador achava previsível. João Mário acompanhou e provocou com esse estilo o crescimento da nova forma portista de jogar/atacar.