PLANETA DO FUTEBOL - Uma opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Falam dele como um treinador da velha escola com ideias novas. É, confesso, das melhores definições, técnicas e românticas, que já ouvi serem colocadas a um treinador de futebol.
Como a "velha escola" pode ganhar novas ideias. O segredo de Chris Wilder
Chris Wilder, cavaleiro futebolístico da "Velha Albion", o homem que treina um clube onde mora a origem do futebol de todos os tempos. Sheffield, uma cidade que viu o futebol nascer em meados do Séc. XIX, e na qual está o clube independente (no sentido de não ser relacionado na fundação com nenhuma escola ou universidade) mais antigo do mundo em atividade, o Sheffield FC (fundado em 1857), numa região que daria também, entre outros emblemas, o Sheffield United FC, fundado em 1889, saído do Sheffield United Cricket Club (formado em 1854), pelo que muitos reconhecem no atual Sheffield United, a jogar na Premier League, o clube que, saído das entranhas da região da produção do aço (por isso lhe chamam "The Blades") transporta em si o histórico vivo mais remoto da fundação do futebol.
É possível, mas, seja como for, o "english game" e o "football" que resistiu à passagem do tempo nos séculos, nunca seria possível sem Sheffield, o local onde começou o mundo. Isto é, o "nosso mundo". O do futebol.
2 - Para tornar toda esta atmosfera mais lendária, o registo de que este Sheffield United (nunca antes outro clube inglês tinha tido "United" no nome) jogou sempre, desde a sua fundação, no mesmo Bramall Lane, alvo natural de modificações através desses longos anos.
O nome vem da família Bramall (poderosa na indústria do aço) que também detinha o mítico The Ovall, onde se jogaram as primeiras grandes finais da Taça de Inglaterra, a competição mais antiga do mundo. Pode parecer surreal, mas tenho isto tudo a passar pela minha cabeça quando vejo e comento agora os jogos do Sheffield United, em 2020. O mundo mudou, o sentimento não.
Por isso, gosto da equipa, mesmo com um futebol muitas vezes demasiado rudimentar, no sentido de ir buscar as bases do inglês "kick and rush" (chuta e corre, em tradução livre) para colocar em prática um estilo de jogo com três centrais fortes, laterais a subir, meio-campo essencialmente "pica-pedra" de lances divididos e bolas em profundidade para dois pontas de lança lutadores, essencialmente o desengonçado McBurnie, do qual tenho sempre a sensação de que a qualquer momento se vai desmontar todo e sair-lhe um braço ou perma. Ilusão lunática minha, claro. McBurnie raramente perde a bola nesse estilo. Faz golos e, com a sua estética de avestruz futebolística, é um dos n.º9 mais temíveis da Premier League neste onze do Sheffield em luta pela Europa.
3 - Seria um feito notável o Sheffield United chegar à Liga Europa, porque, três épocas atrás, o clube estava na League One (a III Divisão inglesa), altura em que (por maio de 2016) despediu o treinador Nigel Adkins, para contratar outro que pouco antes levara o Northampton ao título da League Two. Esse homem era Chris Wilder, com o clube no coração porque foi onde começara a sua carreira de jogador sénior, em 1986, embora depois tivesse sido sucessivamente emprestado a outros equipas menores. É a vida. Para Wilder, Sheffield ficou sempre no coração e, assim, entre 2016 e 2019 não parou de fazer o clube subir sucessivamente de divisão (superou o rival Sheffield Wednesday) e atingiu a Premier League.
Sem nunca perder a sua personalidade e carisma, Wilder nunca mudou a forma de ser e pensar futebol. Aos 52 anos, após treinar Alfreton Town, Halifax, Oxford e Northampton (atenção que estamos a falar mesmo nas profundezas do futebol inglês) não parou de estudar o jogo e o treino. O futebol inglês está, nos seus castelos de memórias mais remotos, envolto em lendas e fascinantes histórias destas. Os clubes e os homens que as fizeram até hoje. Pensem nisso quando virem um próximo jogo do Sheffield Utd. Sobretudo, no momento de uma bola longa metida para McBurnie lutar por ela de cabeça nas alturas.