O mundo mudou mesmo? Instagram: o "Futebol 2.0"
Um telemóvel, o Instagram e os posts não são princípios de jogo, mas são os princípios de grupo
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1 - No início, brilhantina no cabelo, um fato feito no melhor alfaiate, sapatos postos a brilhar pelo engraxador que sabe tudo e aí estava o jogador de futebol a passear altivo pela cidade. A imagem pode ser demasiado "british", britânica, mas, acreditem, também podia ser portuguesa mais pelos anos 40. E, no fundo, espelhava os pioneiros da imagem enquanto vendedores de estilo.
Os tempos mudaram e, ao longo das décadas, essas expressões de ego e vaidade foram-se, naturalmente, transformando. Os meios para as divulgar também. Até que chegamos ao presente e já nem é preciso sair à rua. Tudo é feito num local distante do olhar real, fotografado ou filmado com filtros que fazem tudo parecer mais perfeito ou irreal, e o jogador volta a "aparecer" fora do campo expondo a sua dimensão egocêntrica, vaidade ou autoestima, imagem feita de efeitos especiais.
Bem-vindos ao Instagram. O esforço visual dos pioneiros de brilhantina e sapatos engraxados é uma causa perdida. Agora, filtros, músculos, danças e frases esotéricas de autoajuda.
Bem-vindos ao Instagram. O esforço visual dos pioneiros de brilhantina e sapatos engraxados é uma causa perdida. Agora, filtros, músculos, danças e frases esotéricas de autoajuda.
2 - Como controlar isto? Os clubes desesperam com esta exposição, mas a última coisa que podem fazer hoje a um jogador (um jovem ser humano na altura de afirmação de imagem perante o mundo, namoradas e tudo que o rodeia) é tirar-lhe esse instrumento de promoção do ego.
Agora, atenção: um telemóvel, o Instagram e os posts não são princípios de jogo, mas são princípios de grupo. São princípios que devem ser respeitados para a formação de uma mentalidade de equipa. Por isso, um regulamento disciplinar interno que antes controlava só horas de recolher e saídas fora dos dias de folga (penalizando com multas quem o violasse) tem de hoje contabilizar/controlar o uso do Instagram e redes sociais da mesma forma, porque, no fundo, elas também se traduzem em saídas do jogador fora da hora do recolhimento e, no limite, de exposição de espaços privados do grupo.
Gattuso, quando treinava o Milan, proibia o Instagram e dizia que não o tinha nem pensava ter, argumentando: "Já chega o que me insultam na rua"
O que sucedeu com Jesé no Sporting, filmado - transmissão em direto! - por um colega de equipa a dançar e cantar no balneário em cima de um carro de supermercado no fim de um jogo, não é, por si só, tão grave assim. O grave é o problema em geral, porque a partir daqui pode-se chegar a todo o tipo de exageros de exposição da imagem.
3 - Gattuso, quando treinava o Milan, proibia o Instagram e dizia que não o tinha nem pensava ter, argumentando: "Já chega o que me insultam na rua. Não preciso de mais." Quando alguém infringia as regras, resolvia de forma simples, puxando-o pelos colarinhos e fazendo voar o telemóvel. Levava assim todo o debate para o excesso do grotesco e, com isso, combatia os novos tempos recorrendo ao mais puro burlesco da sua própria imagem, que cultivou enquanto jogador até chegar a a treinador.
Numa visão mais realista do "problema", Pochettino não nega os novos tempos e diz mesmo que é fundamental saber viver com eles. Enquanto treinador, afirma a sua postura perante a situação: "Hoje, o jogador tem de conviver com um desenvolvimento tecnológico que não o deixa fazer quase nada dentro de um relvado porque está, durante todo o tempo, controlado por 50 câmaras. No meu tempo aconteciam as mesmas coisas, mas não eram públicas. Hoje não lhes posso tirar a câmara fotográfica e o Instagram. O que aconteceria se deixassem de poder alimentar o seu ego? Estará vazio. Se não os entendemos, vamos parar a um beco sem saída. Não há margem para voltar para trás."
Nesta capacidade de entender e lidar com os novos "instrumentos do tempo" está o treinador líder de grupo dos novos tempos, que cada vez mais tem outros campos, para além do relvado, para trabalhar o jogador, no empírico e, fundamentalmente, no estudo do comportamento humano. A ideia essencial para uma concepção de liderança é a capacidade de adaptação a qualquer realidade.É aquilo a que chamo "Futebol 2.0".