PASSE DE LETRA - Uma opinião de Miguel Pedro
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Já se joga o Mundial do Catar. Muito se escreveu sobre a má escolha, pela FIFA, deste país para acolher tão importante torneio de futebol. E parece ter sido, à primeira vista, uma péssima escolha.
O caminho do progresso implica uma constante luta pelos direitos individuais (religiosos, orientação sexual, igualdade étnica, etc.) e sociais (igualdade no acesso à riqueza produzida, à educação, ao trabalho digno, etc.).
Um país cuja lei civil e criminal, ou seja, cujas regras que regulam a vida em comunidade, são baseadas em crenças, princípios sobrenaturais e fé, o que era próprio das comunidades pré-feudais e feudais. Por este motivo, o conceito de "direitos humanos", que muito deve ao filósofo Immanuel Kant (com o seu imperativo categórico, fruto da autonomia da razão) é um conceito que é estranho no Catar.
Compreendo, por isso, a indignação dos governantes cataris quando se lhes aponta o dedo, acusando-os de ser um país que não respeita direitos humanos. Eles não percebem do que se está a falar, pois os direitos humanos pressupõem um racionalismo iluminista que ainda não entrou no Catar, que é uma sociedade regulada por dogmas religiosos e não por princípios racionais. Como também sucede na Arábia Saudita, ou no Irão e que parece começar a afetar países com acentuado crescimento do movimento do cristianismo evangélico, como o Brasil ou os Estados Unidos. Mesmo na Europa, alguns países também têm regredido em direção a um passado pré-iluminista, escolhendo o caminho de cortar direitos fundamentais das pessoas, exacerbando políticas racistas, homofóbicas e xenófobas, tal como sucede na Hungria ou na Polónia (o que já motivou a aplicação de sanções por parte da UE).
O caminho do progresso implica uma constante luta pelos direitos individuais (religiosos, orientação sexual, igualdade étnica, etc.) e sociais (igualdade no acesso à riqueza produzida, à educação, ao trabalho digno, etc.). Ora, este Mundial do Catar ficará na história como o Mundial em que mais se falou nestas matérias tão importantes, num perigoso momento da história deste pequeno planeta a começar a entrar em falência orgânica.
Artigos de opinião, discursos de políticos, manifestações públicas e gestos simbólicos de seleções que participam no torneio, fazem com que a "multi-hiper-mega" milionária operação de "sportwashing" (usar o futebol para tentar limpar, na opinião pública, os podres do regime) longamente preparada por Infantino e pelo seu compadre, o Emir Tamim Al Thani, esteja a ser um total fracasso. Fica só, como deve ser, o futebol para ser jogado. Por isso, se calhar, a escolha da FIFA até nem foi tão errada como isso...