SENADO - Um artigo de opinião de José Eduardo Simões.
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Já só faltava o inefável Blatter mostrar "arrependimento" pela escolha do Catar para acolher o Mundial que vai começar.
Logo ele, que só via dinheiro e interesses à frente dos olhos quando se tratava de escolher locais para os Mundiais (a UEFA, para os Europeus, é igual).
Outros intervenientes, desde os mais altos responsáveis de FIFA e UEFA aos dirigentes de clubes, de treinadores a jogadores e agentes, manifestam (agora) indignação pela escolha do Catar, a que alguns adicionam alguma revolta pela falta de respeito de direitos de algumas minorias. Que falta de memória! Que ausência de coerência, escrúpulos e integridade! Quando se trata de jogar na China, Irão, Rússia ou noutros países árabes para torneios e competições pagos a peso de ouro, não há voz que se ouça... Quando defrontam clubes e seleções de Cuba, Nicarágua, Coreia do Norte e tantos outros países de África, Ásia e do extremo leste da Europa, repletos de ditaduras e facínoras de todos os tipos onde não se respeitam os mais elementares direitos humanos (de homens e mulheres no seu todo), onde não há liberdade de expressão, de opinião, de escolha de religião ou mesmo vestuário, de associação política, por que impera o esquecimento?
Por que não se indignam, revoltam e mostram repulsa com atos concretos, os clubes, federações, UEFA e FIFA? Em países que desprezam a democracia - o menos mau de todos os sistemas, que felizmente é o nosso modelo, com todos os seus defeitos e virtudes -, dominados por cleptomaníacos, por que razão os interesses se sobrepõem à defesa dos direitos e deveres iguais para todos e cada um? Vamos ser claros. Este é o Mundial da hipocrisia. A força desportiva de muitos clubes franceses, espanhóis, italianos, mesmo ingleses está falseada pelos bolsos cheios de petrodólares árabes e afins. As verbas envolvidas nas operações de compra e venda de clubes e publicidade são imensas. Sem elas, seriam mais fracos, menos aptos para vencer nos respetivos países e nas competições europeias. Menos capazes de contratar quem lhes apetecer. As verbas recebidas pela FIFA para a realização do Mundial no Catar são astronómicas e é mais uma moeda de troca a tudo o que é colocado nos clubes. Claro que os estádios são obras de arte que serão reaproveitados para outras atividades após o final da competição.
Afinal, o Catar nunca viveu nem viverá do futebol... pelo menos lá. O país é, na aparência, uma Disneylandia cheia de soluções arquitetónicas e urbanísticas futuristas do melhor que existe no mundo. É suficiente? É verdade que não olham ao que gastam para que tudo corra bem e se os estádios não tiverem público externo suficiente lá entrarão os cataris para fazer a festa. É provável que este Mundial, disputado numa altura em que os jogadores estão frescos fisicamente, seja de elevada qualidade. Mas no fim foi a hipocrisia que venceu e os grandes crocodilos vão fingir chorar lágrimas que em nada são sinceras. E nós? Vamos ver os jogos e festejar as vitórias da nossa Seleção, porque é o que o adepto fiel faz com gosto. Mas, povos de memória curta, não esqueçam por que foi escolhido aquele local.