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O mercado de transferências é aquele período encantado do ano em que os adeptos trocam a racionalidade pelo botão refresh do Twitter. Passam-se dias inteiros numa espécie de transe, onde cada rumor tem mais autoridade do que o Ministro das Finanças. Um tipo escreve no X (antigo Twitter, atual manicómio): “Craque argentino spotted no Colombo a comer um wrap de frango!” — e pronto, o Benfica já ganhou a Liga dos Campeões de 2026.
O mercado é isto: uma Disneylândia para adultos com défice de atenção e excesso de fé. Vive-se num limbo entre a fé e a histeria, onde o sonho com um extremo esquerdino colombiano de 17 anos que “tem vídeos no YouTube” se mistura com o pesadelo de ver o nosso médio favorito trocado por dois sacos de bolas e um defesa de 34 anos “com muita experiência”.
No fundo, todos os clubes estão a jogar um jogo que não é futebol: é Monopólio com pessoas. É a época do ano em que todos os clubes acham que vão contratar um Haaland por meia dúzia de tostões — e acabam com um avançado usbeque que vem “referenciado pelo scouting”.
O mercado é irracional, como o amor. E como o amor, raramente traz aquilo que se quer — mas está sempre a prometer que sim. É, assim, o momento em que os adeptos entram num estado de alienação tão profundo que só é superado por quem acredita em criptomoedas. Refresh, refresh, refresh. Cada tweet é uma liturgia. Há quem reze a São Fabrizio Romano, padroeiro das fontes anónimas.
Os jornais alinham com títulos em modo telenovela:
“Dragão Prepara Bomba”,
“Leão Ruge por Estrela Paraguaia”.
“Craque à Vista na Luz”,
Depois abre-se a notícia e descobre-se que o craque afinal é o quinto lateral do Grémio, com apenas 13 minutos jogados na última época, mas “com margem de progressão” e uma tíbia saudável.
Há também aquele ritual: a apresentação do reforço no relvado, com a camisola ainda a cheirar a plástico, enquanto alguém diz que o novo médio “é um misto de Pirlo com Gattuso, mas mais rápido”. Spoiler: não é.
E quando um rival contrata alguém que realmente joga futebol, entra em cena a psicologia invertida:
— “Bah, está acabado.”
— “Já não corre.”
— “Nem titular era no Carcavelinhos.”
E seguimos em frente, de peito cheio e com um plantel desequilibrado, mas “com muita alma”.
Mas, sejamos honestos: ninguém quer saber da coerência. Porque o mercado é isso mesmo: um estado febril. Um festival de sonhos de verão. Sonhamos com extremos velozes, médios com visão periférica e centrais que jogam de cabeça erguida. E acordamos, muitas vezes, com um empréstimo com opção de compra… que nunca é exercida. E temos remorsos no outono.
E depois, quando tudo fecha, os diretores desportivos fazem aquele ar de “cumprimos o plano”. Os treinadores dizem que “confiamos no grupo”. E os adeptos — esses génios da memória seletiva — exclamam em uníssono: “Falta-nos só um ponta-de-lança.”
Falta sempre.
Mas também: quase sempre, sobra coração.