PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Ronaldo já disparou, há muito, para uma galáxia distante, à margem do comum dos mortais do futebol português, ao qual regressa, tempos a tempos, para jogar pela Seleção.
Nunca nos fez obrigatoriamente jogar melhor, mas fez-nos, implacável, ganhar mais! Este impacto é tão grande que, agora, nenhum analista ou comum adepto, suporta que essa influência se desvaneça.
Fala-se de atitude, táticas, desgaste, tudo argumentos intranscendentes. O que Ronaldo enfrenta hoje é um adversário muito mais terrível do que qualquer duro central gigante ou até a mais fechada defesa. O seu adversário, hoje, é aquele que, mais tarde ou mais cedo, ninguém consegue derrotar: o tempo. É esse o nosso maior inimigo, no futebol como na vida.
2 Aos 36 anos, perdeu, naturalmente, os dotes físicos explosivos. Em vez de arrancar supersónico em 30 metros, tem agora de mover-se com os radares de deteção onde a bola vai cair no máximo, em curtos metros quadrados. Custa-lhe enfrentar o um-para-um, mas pode fugir a esse confronto direto ocupando o mesmo espaço em antecipação. São futebolisticamente formas de driblar os efeitos do tempo e continuar decisivo no factor onde continua a ser o melhor do mundo: a finalização pura.
Insistir num jogo, ele e a equipa na dinâmica coletiva, que lhe pede muitos dos movimentos de anos atrás é, mais do que tentar ganhar um jogo como antes, ousar desafiar o tempo. E, em geral, quando se desafiam esses limites físico-atléticos, os limites... ganham.
3 É natural sentir ansiedade por não marcar há algum tempo? Seria, para o comum dos goleadores mortais. Para Ronaldo, essa ansiedade nasce porque, obcecado pelo recorde que o eternize como o melhor de sempre, mais do que combater o iraniano Ali Daei, quer combater a contagem decrescente do (seu) tempo para o fazer.
Não faz sentido esta luta. Ronaldo será sempre melhor goleador do que Ali Daei, nem que não marque mais nenhum golo tal a diferença abismal entre os dois (e, até, locais onde esses golos foram marcados).
Quando, nos últimos minutos do jogo com o Luxemburgo, Ronaldo se isolou, já com vitória assegurada, ele não estava a ver à frente dele o guarda-redes luxemburguês que saía a encurtar o ângulo. Já tantas vezes estivera assim, perante os maiores guarda-redes, e tudo então se resumira à formalidade dum remate/passe à baliza. Desta vez, não. Quem ele via era filtrado pela metralhadora da pressão do tempo na sua cabeça, ao ponto de o guarda-redes crescer tanto de tamanho (pura ilusão), que defendeu a bola.
Nem sempre queremos que o que vemos nos devolva um reflexo na mesma proporção da ansiedade com que o olhamos.
Banda desenhada
bbb São os nossos baixinhos da seleção sub-21: Vitinha, Daniel Bragança, o Pote e a erupção Francisco Conceição. O nosso tradicional futebol de perfil histórico "roda-baixa" ganha novos exemplares, numa dinastia estilística que tem, agora, o nariz no ar (expressão "cartoon" de mentalidade forte) como nunca teve. Cada qual tem uma essência de jogo própria. Desde o arrumar da nossa casa táctica, do Vitinha, com visão de jogo que põe a bola onde quer, à forma como se desarruma a casa adversária, nos zig-zags de Conceição. Pelo meio, Pote Gonçalves tem mais vocação de médio que, de frente para o jogo, se transforma em avançado do que o percurso contrário, a que tantas vezes (clube e Seleção) o obrigam, enquanto o Daniel Bragança vê um espaço longo mesmo jogando na varanda de um T1. Há quem insista que só o engrossando fisicamente irá sair dela, mas a verdade é que, se isso acontecer, acho que já não irá conseguir, como faz agora, passar por portas tão estreitas (entenda-se marcações tão apertadas).
Esta nossa seleção Sub-21 é o mais atraente livro de futebol em banda desenhada que vi nas ultimas décadas.