PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - Um jogador que parece jogar com antenas na cabeça. A bola ainda não disse por onde vai passar e ele já lá está, adivinhando o seu caminho para a intercetar, recuperar a sua posse e, mudando o chip, ativar o ataque.
Nesta definição, João Moutinho personificou a intenção de Fernando Santos em aumentar o comportamento de agressividade tática de recuperação (reação à perda da bola) que, noutros jogos, tinha desligado muitas vezes a seleção do seu lado mais intenso nesses momentos. Manteve-se o sistema mas subiu a intensidade.
A elevada percentagem de posse de bola só consegue criar desequilíbrios a partir desse equilíbrio posicional-recuperador. Por isso, a diferença deste jogo no Azerbaijão para outros, como frente à Irlanda, em que tendo o mesmo volume de posse, a capacidade para criar lances de perigo não foi a mesma porque os momentos de a roubar e ter não foram em condições de criar desequilíbrios no adversário como sucedeu em Baku.
2 - A mobilidade ofensiva nasce, sobretudo, do melhor pensamento desde trás tendo a bola. Com Palhinha a "6 trinco-pivô" e Moutinho como "8 rotativo pressão-recuperação-passe", Bruno Fernandes pôde jogar com a liberdade de movimentos (entre o centro e a meia-direita) que lhe permite a melhor expressão de jogo na definição de último passe.
Neste princípio de jogar bem pensando, esta afirmação de Bruno Fernandes na seleção (onde nunca atingiu o nível de Manchester) leva o onze nacional para um nível de construção criativa de jogadas de golo muito superior. Junto da velocidade diagonal desequilibradora de Bernardo Silva e do instinto inteligente de golo de Jota, esse traço mais temporizador de Bruno Fernandes marca a diferença num onze que, sem Ronaldo, se torna, claramente, mais coletivo na interligação de movimentos.
3 - Desta forma, a maioria das melhores jogadas de ataque pelos flancos nascem de movimentos de "dentro para fora" (do meio para a ala). Um jogo de interiores mentirosos que combina com a subida dos laterais onde, na faixa direita, Cancelo (mesmo revelando por vezes o vício de, como faz no Manchester City, ser um lateral a entrar por dentro) tem, quando colocado na faixa em largura, a agressividade (física-tática) na profundidade que a equipa precisa. Em relação à seleção que esteve no Europeu, é onde o jogo português ganha um impulso claramente maior (libertando os extremos para quase segundos avançados).
Cada jogo tem a sua história, mas uma equipa para jogar bem tem de ser capaz de contar a si própria a melhor forma de jogar como princípio. É a distância que vai do jogo frente à Irlanda até este, contra o Azerbaijão.
Seleção sub-21: 4x4x2 ou 4x3x3?
Tenho dificuldade em ver a seleção sub-21 a jogar em 4x4x2 losango. A qualidade técnica dos jogadores a meio-campo é indiscutível mas, neste sistema, construindo em posse apoiada, falta quase sempre "jogo exterior" à equipa. Isto é, tem muito tempo a bola no corredor interior mas não abre nos flancos, onde a profundidade a atacar depende demasiado dos laterais visto que, ao contrário do que é obrigatório para o melhor funcionamento ofensivo do losango, os médios laterais nunca abrem em posse.
Apesar da qualidade com bola e elaborar, André Almeida e Vítor Ferreira nunca tiveram essa profundidade interior e o "10" Fábio Vieira está mais rotinado a flanquear desde a ala. Dessa forma, e com a dupla de ataque Gonçalo Ramos-Fábio Silva também a procurarem fugir para pegar na bola mais abertos, a seleção não teve objetividade (de passe-penetração-remate) nos últimos 30 metros.
Melhorou em 4x3x3 porque os extremos Gonçalo Borges-Chico Conceição deram (embora demasiado em um-para-um) o jogo pelos flancos que faltava, com Paulo Bernardo (craque em potência) a entrar muito bem como interior mais profundo.
Rui Jorge busca dar dois sistemas à equipa para jogar, mas é em 4x3x3 que a vejo melhor e mais de acordo com os jogadores que tem.
MODELOS
Arrascaeta: craque-equipa
Já no Flamengo onde outros brilham a correr (Bruno Henrique) ou pelo físico (Arão), é ele quem emerge pelo pensamento. Médio-ofensivo, segundo avançado ou falso ala, segura a bola, conquista espaços e define passes e remate. Um traço coletivo que faz dele um craque coletivo. Viu-se agora no Uruguai onde, sem Cavani nem Suárez, pegou, contra a Bolívia, em todo o ataque. Construção e definição. Com 27 anos, é incrível nunca ter jogado na Europa (Defensor, Cruzeiro e Flamengo). Jogador completo.
Itália: ritmo lento
A Itália, campeã europeia, regressou com dois empates (Bulgária e Suíça). Mantém o 4x3x3 e o esqueleto do onze do Euro mas a criatividade coletiva com que jogava tornou-se, embora com igual padrão de movimentos meio-campo/ataque, demasiado denunciada no sentido de perda da velocidade da bola. Os seus jogadores parecem agora dizer, antes, aos adversários o que vão fazer a seguir. Será, creio, apenas questão de readquirir o ritmo certo de jogo (e a melhor forma de alguns jogadores) mas esta diferença entre explica, na prática, como a velocidade é um valor relativo no futebol. Ou seja, os princípios de jogo estão sempre relacionados com o ritmo certo que devem ter para serem eficazes.
Gerson: nunca o viram?
Não entendo como nunca um clube português (mesmo de classe média) quis contratar este avançado, rápido, de mobilidade inteligente e golo (extremo ou solto no meio) que nasceu no Pragal (mantém nacionalidade portuguesa) e desde miúdo jogou sempre no Luxemburgo. Gerson Rodrigues, 26 anos, está agora emprestado pelo Dínamo Kiev ao Troyes. Se tivesse responsabilidade num clube, não me escapava. Desde há muito (do Telstar ao Sheriff), mas o negócio, suponho, nunca terá interessado.