O grande momento tático veio de um apanha-bolas
O Benfica que surgiu em Leipzig não era, no porte tático apresentado, diferente dos que nesta época já suscitaram dúvidas e críticas
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1 - A tentação de analisar uma equipa jogo a jogo pode causar alucinações. Sobretudo se pretendermos tirar conclusões de fundo em relação ao seu jogo. O mais normal acontecer, nessas situações, é cair-se em contradições. Porque nessa sucessão de análises, apenas podemos valorizar a aplicação (coerente ou não) de uma ideia de jogo, suas variantes dentro dos sistemas preferenciais utilizados e eventual estratégia específica.
O Benfica que surgiu em Leipzig não era, no porte tático apresentado, diferente dos que nesta época já suscitaram dúvidas e críticas. Lage voltou a acreditar na capacidade de entrega físico-tática de Cervi em recuperar a posição de cobertura na transição defensiva e o jogador correspondeu a essa crença. Ninguém como ele corre tanto e tão rápido para trás quando perde a bola e ajuda a defender. Esqueçam a definição a atacar (mesmo com igual velocidade). Ele é o extremo mais rápido a... defender no futebol português.
2 - Uma missão decisiva em Leipzig para Lage montar a equipa em 4x1x4x1 mal perdia a bola, com um meio-campo central em "1x2" que tinha Gabriel a pivô e a dupla Taarabt-Chiquinho como interiores de perfil subidos na cobertura. Quando se juntava, por dentro, Pizzi era o quarto médio e, até, o mais perigoso ofensivo nesses movimentos interiores, quase como num "jogo de espelhos" de movimentos com Forsberg no Leipzig. Ambos são jogadores muito fortes no "jogo interior". Forsberg nas diagonais ofensivas, Pizzi a aparecer pegando no meio. Se tiverem espaço, rompem. Como nos golos que marcaram (0-1 e 2-2) de olhos abertos e aproveitando erros defensivos de marcação. E, entretanto, Cervi continuava a correr. Dava uns passes em frente, mas mal a equipa perdia a bola, sprintava para trás e fechava a porta ao flanco mais vertical dos alemães: o direito.
3 - O Benfica esteve muito perto de ganhar o jogo com esta nuance estratégica de transição defensiva (e eficácia nos contra-ataques). Cresceu na medida em que crescia na disponibilidade de resgatar posições mal perdia a bola. Viu, nos minutos finais, o 0-2 transformar-se em 2-2 quando a estratégia já tinha a língua de fora de tanto correr para trás. Na altura em que tinha de colocar o jogo mais lento para o controlar, foram os alemães a conseguir colocá-lo cada vez mais rápido. Não conseguindo, também, nesses momentos, responder com organização à pressão alemã, foi baixando cada vez mais o bloco até sofrer o empate quando a equipa não via a bola há tempo de mais para um momento em que já não conseguia correr atrás dela (nem de quem a tinha e já corria mais...).
Estranho? Sim e não.
A Champions voltou a dar golos fantásticos, mas o grande momento tático veio de um... apanha-bolas. Estranho? Sim e não. Sim, porque não falo de um jogador, do onze ou estratégia do treinador. Não, porque ele foi decisivo para um golo do Tottenham. Mourinho reconheceu isso. Festejou o golo, mas quem foi saudar logo depois foi esse apanha-bolas. Ele, pura e simplesmente, quando viu a bola sair com a defesa do Olympiacos desposicionada, logo correu a devolver outra para Aurier, lateral dos spurs, fazer rapidamente o lançamento lateral a isolar Lucas Moura que, assim, teve espaço para fazer o passe para o golo. Se o apanha-bolas não passasse a bola tão rapidamente, quando Aurier a fosse lançar já não conseguiria isolar Lucas e o golo nunca teria acontecido.
Esta jogada leva também a refletir sobre um momento de jogo (lançamento lateral) pouco explorado na perspetiva de ser especial por não existir fora de jogo no momento da execução. Se feito rapidamente ou de forma estudada em locais certos, pode criar situações de perigo imprevisíveis. Com o seu o "12.º jogador apanha-bolas".