Para além de permitirem a certos comentadores enlatados trocarem o futebol pelos gritinhos (que preferem), as fitas dos jogadores em Portugal tornaram-se uma praga insuportável
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Se tirássemos ao futebol tudo o que põe os moralistas aos gritinhos, haveria perdas e ganhos.
O ganho (só me ocorre um, por agora) seria obrigar alguns comentadores televisivos a arriscar falar do jogo em si, em vez de se encantarem com as moscas à volta. Quando falamos do jogo arriscamos muita coisa: expor a nossa ignorância, para começar. É isso que explica tantos comentários insípidos, durante as transmissões por exemplo, até quando o comentador jogou e foi treinador.
Como em Portugal não gostamos de futebol, o comentador enlatado salta facilmente essa parte para colecionar vitórias fáceis no repertório da indignaçãozinha, da arbitragem, dos dirigentes, dos empresários e das claques. Depois, basta ter um bom barómetro: saber sempre quem é que a audiência mais gosta de odiar (Jorge Mendes, todos os selecionadores, Sérgio Conceição, Jesus, o presidente dos árbitros, a Liga) e saber quem só se pode ofender até determinado ponto. É assim que se fazem carreiras brilhantes sem ter escrito um único artigo de jeito ou falhando sistematicamente todas as análises, mesmo nunca falando de futebol para lá dos limites de segurança.
Seria um pequeno gosto para a minha curiosidade, mas bem longe de compensar as perdas. Sem emoções à solta, sem claques a acautelar os estádios vazios ou calados, sem gente cega para ganhar, sem jogadores vindos de sítios onde a etiqueta só pode ser a última das prioridades, sem manha, sem desafio, sem confrontação, teríamos outro jogo, inimaginável mas pior, com certeza.
No entanto, sabemos por exemplos bem à vista que não é preciso exagerar e, em Portugal, exagera-se de facto. O exemplo imediato (e mediático) é Nuno Santos, do Sporting, castigado por provocar o público no Vizela-Sporting, ainda que, para mim, esse ato conste dos compêndios do inevitável (fiz coisas parecidas enquanto atleta). Mais difícil de aceitar são as simulações de faltas, de agressões, do aproveitamento grotesco da atenção dos árbitros para as mãos na cara dos adversários, etc., de que o último fim de semana foi uma mina (e aí Nuno Santos também merece a sua quota-parte). E é um equívoco linguístico: o futebol gosta de drama, não de teatro.