SENADO - Um artigo de opinião de José Eduardo Simões
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Na crónica anterior falei nos grandes interesses e nos poderosos do futebol. Nem de propósito, a UEFA, que diz que manda, baixa a cabeça perante as ameaças dos maiores tubarões europeus e avançou com a proposta de alteração do formato da Liga dos Campeões, diminuindo os grupos e aumentando o número de jogos.
Seguir-se-á o condicionamento de acesso, que passará a ser cada vez mais "reservado", o crescimento exponencial dos prémios e tudo o mais que o duo Agnelli/Florentino quiserem incluir.
E assim se constrói a Super Liga europeia, que deixará umas sobras para as competições dos remediados (Liga Europa) e dos pobres (a que há de nascer) e cimentará um fosso intransponível para a esmagadora maioria dos clubes europeus. Os 20 ou 30 mais ricos ficarão a nadar em receitas, os outros que se arranjem. Percebe-se, e é cada vez mais indisfarçável, a vontade de quem dirige em diminuir o número de clubes nas ligas domésticas profissionais, para criar uma pirâmide nos países à semelhança da Europa da democrática UEFA.
E assim vai o futebol desaparecendo como a grande modalidade de cariz popular para se converter como o desporto dos adeptos de alguns clubes, os grandes e poderosos, e dos espectadores de sofá dos canais pagos da TV. Para que este processo seja mais rápido, atrevo-me a sugerir uma lei de aplicação imediata a proibir a participação em competições a clubes com menos de 10 mil adeptos pagantes e/ou médias inferiores a 5 mil adeptos nos estádios (no tempo anterior à pandemia). Lá chegaremos, infelizmente...
Entretanto, a Deloitte apresentou o seu muito bem pago relatório do futebol em 2020. Os 20 maiores clubes globalmente passaram de receitas de 9,3 (em 2019) para 8,2 mil milhões de euros, em 2020, uma diminuição de 12% à conta da pandemia. Nos extremos estão o Zenit e o Everton, únicos a aumentarem as receitas, e o Schalke 04, que sofreu uma quebra superior a 30%. Olhando as 3 principais componentes das entradas de dinheiro, verifica-se que as quebras vieram dos direitos televisivos (menos 23%) e das bilheteiras (menos 17%), com uma pequena compensação nas vendas de produtos e merchandising online (3% mais). Mantendo-se a ausência de público nos estádios, a tendência é o agravamento da situação, pois as bilheteiras terão valores muito baixos nesta temporada 20/21 e a pressão de renegociação das verbas pagas pelos detentores dos direitos televisivos veio para ficar e aumentará. Praticamente em todas as grandes ligas, os clubes tiveram que acomodar cortes dos valores contratualizados (os tais 17% em relação a 19/20), que atingiram 100 milhões de euros em Espanha, 120 milhões em França e 330 milhões em Inglaterra, a título de exemplo. Na bem gerida liga alemã prevê-se, para a negociação dos direitos a partir de 21/22, não um aumento, mas sim uma diminuição de 5%. E não podemos esquecer a França, onde o detentor dos direitos simplesmente deixou de pagar e acordou a rescisão contratual. Tudo isto aponta para que as grandes ligas estejam a repensar e reestruturar-se (enquanto a nossa assobia para o ar e nem um relatório sério e profundo sobre o nosso futebol deixa fazer a quem o saberia elaborar), pois terminou, e por alguns anos, o "boom" de aumento de receitas, que de forma vincada se verificou nos últimos 10/15 anos, o que significa o fim do paradigma existente.
Sejamos claros: o modelo de aumento constante de receitas não é sustentável e este abanão da pandemia mostrou isso mesmo. É por isso que, voltando assim ao início do texto, os grandes clubes pressionam a UEFA e vão receber na Champions o que nestas 4/5 épocas perdem nos respectivos países. De Portugal, mais cedo do que pensa, passará a ser aceite apenas o campeão na liga multimilionária (e qualquer dia até esse terá que passar por eliminatórias), com o crescimento da agressividade entre os habituais candidatos e lutas fratricidas dentro e fora das 4 linhas. Já agora, esta finta usada para Palhinha poder jogar abre um precedente muito perigoso que servirá no futuro para outros casos e situações, com aumento da confusão. Se nem as vacinas correm bem...