As seleções vivem em catástrofe permanente. A glória é uma exceção mesmo para as melhores.
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Pensem nisto: sou jornalista há 32 anos, sempre a cobrir futebol. Calculem as eliminações da Seleção Nacional que acompanhei, os selecionadores que ajudei a fazer em patê, as gerações de jogadores geniais que vi subir colinas em ombros e descer montanhas ao empurrão. Mesmo com a minha sobre-humana resistência à aprendizagem, fui engordado de ensinamentos à força.
Diz-se que a primeira parte do Bélgica-Portugal foi defensiva e que o Inglaterra-Alemanha foi espetacular, mas belgas (4) e portugueses (8) fizeram o dobro dos remates de Inglaterra (3) e Alemanha (3)
Primeira lição: o estado natural das Seleções, todas elas, é a catástrofe. A glória é uma anormalidade, um cometa Halley, por regra ainda mais difícil de explicar do que a catástrofe. Segunda lição (vão ficar espantados): a opinião é subjetiva. Diz-se que a primeira parte do Bélgica-Portugal foi defensiva e que o Inglaterra-Alemanha foi espetacular, mas belgas (4) e portugueses (8) fizeram o dobro dos remates de Inglaterra (3) e Alemanha (3), e mais penetrações nas áreas (30 contra 18). Depois dos oitavos, Portugal é a sexta seleção com mais remates, a quinta com mais ataques e saiu da fase de grupos como a segunda mais concretizadora.
Terceira lição: espetáculo e resultadismo são ambos alienações. O que faz o espetáculo? O drible? Ideia tonta, mas verosímil. Portugal é a quinta seleção que mais dribla, à frente da Alemanha, da Bélgica, da Espanha e da Inglaterra. Espetáculo e resultadismo não são mensuráveis. Os remates e ataques que referi não pressupõem bom entretenimento. Nisso, a estatística não serve de muleta. Um comentador televisivo eloquente pode chamar resultadismo ao que quiser e impingir aos telespetadores as delícias de um jogo a meio-campo, em que as fintas acabam sempre dois metros atrás do local em que começaram.
Apreciei muito mais o Inglaterra-Alemanha do que o Bélgica-Portugal, apesar das defesas de cinco elementos e dos escassos remates, porque foi intenso, agressivo e bem executado.
Nem a náusea destes 32 anos a ver sempre o mesmo filme me permite ajudar. Apreciei muito mais o Inglaterra-Alemanha do que o Bélgica-Portugal, apesar das defesas de cinco elementos e dos escassos remates, porque foi intenso, agressivo e bem executado. Números? Das 16 seleções apuradas para os oitavos, só duas fizeram, nestes quatro jogos, menos faltas do que a portuguesa. À luz da experiência, não sei sequer se vale a pena procurar um problema, quanto mais se a Seleção foi conservadora ou de extrema-esquerda. Só posso dizer que foi meiga e que isso não costuma resultar.