Nenhuma equipa joga sozinha. A posse não é, por isso, um valor absoluto. É sempre relativa. Forma e conteúdo.
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1 - Gosto de pensar o jogo com bola, mas o culto da posse pode causar alucinações a muitas equipas.
Não é a elevada percentagem de tempo com bola que define uma "equipa de posse".
Criticá-la porque "deviam ter tido mais bola" ou "tinham de querer ter mais bola", choca quase sempre com uma fria realidade: ela não joga sozinha. Em frente, está um adversário que pode ter mais argumentos (técnico-táticos) para ter a bola e com isso roubar para ele a posse (e a ideia de jogo com ela). Ou seja, todas as equipas têm de ser, primeiro, o que querem ser, e, depois, saber ser o que jogo as obriga a ser.
Não é a elevada percentagem de tempo com bola que define uma "equipa de posse". É antes o modelo de jogo e não o que o jogo, com vida própria, determina. Por isso, paradoxalmente, um atributo duma dita equipa de posse é saber jogar/controlar na mesma o jogo quando... não tem a posse. Isto é, sem a bola controlar a posse do... adversário.
Mais importante do que ter a posse de bola é ter a posse do jogo.
Como? Levando essa posse para locais inofensivos/menos perigosos, ou, por estratégia, admitir a "posse consentida" do adversário mais forte para, depois, roubá-la em locais estudados e ferir no contra-ataque. Não deixa assim de ser equipa de posse no sentido de a controlar em todas as variantes que o jogo pode proporcionar.
Em suma: mais importante do que ter a posse de bola é ter a posse do jogo.
Os últimos jogos de Benfica e FC Porto são bons instrumentos para perceber estas variantes de posse e/ou controlo.
2 - Os últimos jogos de Benfica e FC Porto são bons instrumentos para perceber estas variantes de posse e/ou controlo. Desde Conceição dizer que a equipa devia ter sabido pôr gelo no jogo em Famalicão (isto é, ter a posse pela posse e assim fechar o jogo escondendo a bola), até Jesus dizer, face ao domínio do PSV na Luz, que tal posse era dada por estratégia, para depois ferir em saídas rápidas.
Vendo como ambas não conseguiram, nessas fases, manter o controlo de jogo, tal leva a análise para as características dos seus modelos de jogo. Ambas assentam na posse para dominar. Têm dificuldades em usar a posse para controlar. Parece a mesma coisa mas é muito diferente.
Nenhuma equipa joga sozinha (e só há uma bola em campo). A posse nunca é, por isso, uma valor absoluto.
3 - Na verdade, o Benfica não cedeu a posse porque nunca controlou o que adversário fez com a bola. Em vez de a manter longe (vedando a sua entrada nos últimos 30 metros) nunca impediu que ela rodeasse a área com perigo. O facto de reagir a esta situação reforçando fisicamente a equipa para (como disse Jesus) lutar pela "segunda bola" denuncia esse contrassenso. O necessário nesse momento era ter jogadores com poder para segurar a... "primeira bola". E assim aplicar a ideia de posse. Ao admitir o lado físico como dominador do tático, perde o conceito de posse. Nessa altura. ele já está com o adversário (e seu jogo).
Nenhuma equipa joga sozinha (e só há uma bola em campo). A posse nunca é, por isso, uma valor absoluto. É sempre relativa. Forma e conteúdo.
Esperar em vez de procurar
Neste universo ideológico da posse, o Sporting de Amorim vive quase como que num mundo à parte. Admito até que o seu modelo (por não ter o domínio em cima do meio-campo adversário como primado desde início) fosse impossível de aplicar no FC Porto ou Benfica (onde as exigências do "entorno", de adeptos à crítica, são superiores a esse nível) mas, além disso, existem linhas caracterizantes que o identificam. Nelas não está o culto da posse.
Com essa margem tático-ideológica de ação, Amorim quer, naturalmente, também ter a bola, mas quando a tem vê-se que a equipa não sofre do síndroma da vertigem ofensiva (evidente em Benfica e FC Porto, cada qual com as suas nuances).
Este Sporting não procura. Este Sporting espera. Ter ou não a bola não muda a sua cabeça
Ao contrário, mesmo tendo muito tempo com a bola sem criar perigo iminente ou, em face do que o jogo/adversário determina, passar muito tempo atrás (em bloco baixo, até) a defender, a equipa revela sempre a mesma serenidade. Ao contrário de FC Porto e Benfica, não tem a permanente ânsia de procurar o golo. Pelo contrário, espera pela oportunidade para o encontrar.
Por isso, defino, numa frase, que este Sporting não procura, este Sporting espera. E sabe esperar. Tendo a posse ou controlando a posse do adversário.