PLANETA DO FUTEBOL - A crónica de domingo de Luís Freitas Lobo
Corpo do artigo
1 - Ele está a provocar o maior debate de ideias sobre o jogo (conceitos e estilos) desde há muitos anos dentro do futebol brasileiro. Fernando Diniz, 46 anos, hoje treinador do São Paulo.
O treinador que está a provocar o maior debate no futebol brasileiro
Adorado ou odiado, ele marca uma diferença clara na forma do treinador brasileiro pensar o jogo mesmo antes de qualquer debate tático, embora nesse ponto a sua devoção pelo "sair a jogar" e pela "posse e jogo posicional" suscite as mais acesas divergências. No fim do mesmo jogo, é tão fácil ser elogiado como criticado, desde os seus tempos no Audax (que o revelou para a elite no Paulistão 2016).
O chamado "Dinizismo" tem muito das ideias de Guardiola, mas criou uma identidade própria que resulta, de início, da sua formação em psicologia, o curso que tirou após terminar a carreira de futebolista. Dessa forma, consegue entrar melhor na cabeça dos jogadores e entender o "domínio do humano" no jogo. "Você precisa estimular a criatividade do jogador, ousado, vertical e com bom drible. Essa é a cultura do nosso povo. Agora existe preferência para se jogar de forma mais conservadora e pragmática, que está fazendo o nosso futebol andar para trás."
2 - Depois, sim, entra a parte tática, onde todos jogam com a bola. Uma filosofia coletiva de jogo que encontra resistências: "Fazer entender ao jogador com grande qualidade técnica que o coletivo ajuda a sua criatividade e não o contrário não é fácil. Ele precisa ser coletivo para entrar no jogo de forma relevante. Só fazendo parte do todo ele terá mais espaço e situações de um para um. Para isso é preciso ter articulação, movimentos preestabelecidos."
Isto é fundamental até para o guarda-redes na circulação da primeira fase de construção, jogando com os pés, como um jogador de campo normal, ao ponto de, nos treinos, ele treinar por vezes como... defesa-central, para potenciar esse seu jogo com os pés, a nível de técnica de passe.
As suas equipas consagram o toque de bola como uma referência (muitos criticam quando não cede em segurar um resultado dando um "chutão" para a frente, mesmo perante a pressão alta adversária, e no fim acaba por perder. As trocas posicionais, com base no "jogo posicional", criando sucessivas linhas de passe, é a base da sua filosofia de posse de bola: "Você tem de criar espaços, enfrentando linhas muito baixas, e assim você acaba se expondo mais. No Brasil isso é ir contra a norma."
3 - Para isso ser eficaz, a intensidade de reação para a recuperação pós-perda da bola é decisiva. Pelo contrário, quem joga em contra-ataque não tem que estimular esse comportamento, porque joga sempre na expectativa do erro e prefere "não expor tanto o time."
Ter o seu conceito de jogo não implica, porém, não olhar outros estilos. Pelo contrário: "É importante ver outras formas de defender também. É muito interessante o que Simeone faz no At. Madrid. Foi competitivo com menos armas do que equipas mais poderosas. Não quero defender como ele, mas é importante observar."
O seu atual São Paulo tem o perfume de futebol no passe. Tanto quando ganha e se reconhece a sua qualidade, como quando perde e pedem o seu despedimento.
Chamam-no então de romântico, teórico e de complicar a linguagem do futebol
4 - E, por fim, a pergunta clássica, sobre que é "jogar bem"? "É ser competitivo, produzir coisas positivas em todo o processo que antecede o jogo em si. Sentir prazer e dar prazer para quem joga e quem assiste. Construir um futebol coletivamente. Não adianta colocar um monte de talentos à solta para eles resolverem. É preciso ter posse e terminar as jogadas com eficácia. Construir muitas conexões com os jogadores. E a parte humana entra de maneira sistemática nisso. Não é só o modelo de jogo e a tática. Tudo precisa de ser construído de forma agregada. Não é só o resultado, as pessoas têm de gostar de ver o jogo."
Como olhar para o velho debate "Académicos vs Boleiros"?
Vendo a perturbação que a forma de pensar e estar de Diniz provoca no Brasil (e como é atacado sem sustentação de argumentos, apenas por ganhar ou perder) ressurge também o debate "velho vs novo" ou "académico vs boleiro" (o segundo termo aplicado a quem viveu sempre o futebol na prática, contra os que chegam de fora pela teoria).
Diniz, que é a junção das duas faces (foi jogador de bom nível e é também um académico no sentido do pensamento teórico do jogo), responde sem criar divisões: "Eu acredito na vocação. Tem gente que nunca jogou e tem sensibilidade para ser treinador, porque consegue ter uma perceção diferente. Nunca tive esses preconceitos. O que me interessa é o que é apresentado dentro de campo."
Chamam-no então de romântico, teórico e de complicar a linguagem do futebol, mas ele desmistifica tudo isso através da forma como combate a "cristalização de métodos", que faz o treinador brasileiro desconfiar de tudo que vem de fora (sejam estrangeiros, sejam novas ideias que furem a velha análise simplista-individual do jogo).
Neste ponto, ele está apenas a expor o complexo/receio do futebol brasileiro em relação ao pensamento exterior. Algo que, com o impacto diferenciador provocado por treinadores como Jesus, Sampaoli, Coudet ou Doménec, está provado ser dos maiores entraves ao seu avanço (treino, jogo, pensamentos e métodos).
Pensar Coutinho
Um treinador a pensar o futebol no Brasil fora do mais básico, recorrendo a estudos evoluídos em contraste ao empirismo da prática, foi sempre atacado, mas, com o tempo, vê-se como estavam (quase todos) avançados no tempo. Recordo Cláudio Coutinho que treinou a bela seleção do Mundial"78. Marcou uma clivagem na linguagem e pensamento sobre treino e jogo. Poucos o entenderam e foi sumariamente julgado pelos resultados. Hoje, muitos o citam como referência. Reler as suas palavras/entrevistas da época prova isso!