O Bolt de sete anos e os campeões mundiais aos dez
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Quando a minha filha, que praticava atletismo, foi pela primeira aos corta-matos do Desporto Escolar, tive a curiosidade de pesquisar quem seriam as jovens, pela casa dos dez anos de idade, que se destacavam nas provas de fundo.
Para meu espanto, fui descobrir uma miúda que ganhava tudo. Na manhã chuvosa do corta-mato, em pleno Parque da Cidade do Porto, não demorei a ver quem era. Entre a neblina que vinha do mar destacava-se uma pequena rapariga, muito à frente das duas ou três centenas que corriam.
No ano seguinte fui dar com ela nas pistas e, surpresa ainda maior, dominava os 60 metros com a mesma facilidade com que ganhava as corridas de um ou dois quilómetros.
Conversei com o treinador da minha filha e ele riu-se do meu espanto de pai. Explicou-me que era natural ela vencer em qualquer distância, pois teria cargas de treino demasiado intensas para a idade e com isso tinha desenvolvido uma massa muscular fora do normal. Algo que iria pagar mais tarde.
A verdade é que a jovem, quando chegou aos 14 anos, já era uma atleta vulgar, para aos 16 estar longe dos primeiros lugares. Não chegou sequer a atleta sénior. Nem ela nem outros fenómenos que fui vendo, como a fundista que dava uma volta de avanço às adversárias nas corridas do Olímpico Jovem, a maior das competições de atletismo nacional nos anos de formação.
Conto esta história a pensar em talentos virais como a criança norte-americana de sete anos a quem esta semana começaram a chamar "novo Usain Bolt" ou nos portugueses campeões mundiais de artes marciais aos 10 e 11 anos que por vezes as nossas televisões se lembram de promover.
Nem todos são o Ronaldo ou o Messi e a maioria dos talentos precoces, mas uma maioria de 99%, não chega sequer a sénior, grande parte deles precisamente por erros nas cargas de treino e excesso de pressões familiares.
Deixar crescer os jovens atletas é uma regra de ouro e os jornalistas, admito, esquecem por vezes as suas responsabilidades e vão tendo cada vez mais culpas neste cartório. Aliás, nem sequer se lembram que só descobriram Bolt quando este bateu pela primeira vez o recorde do mundo dos 100 metros, em 2008 - a caminho dos 22 anos, portanto -, ou que na inauguração do Estádio do Dragão o Barcelona estreou, em 2003, um rapaz chamado Leonel Messi e na altura ninguém... reparou.