Agora já podem olhar com distância e perceber que tipo de jogador e personalidade é Quaresma, como esteve e como ainda devia estar no FC Porto
Corpo do artigo
A minha cabeça, a minha casa
1 - Joga e tenta fintar sem parar, não importa quem e onde, mas no fim, quando tiveres espaço, mete-lhe uma trivela. Não sei se podia ser assim, mas se tivesse que falar com Quaresma antes, ou durante um jogo, seria mais ou menos por aqui que ficaria. Como dar ordens (indicações, ok, de forma sibilina) a quem quer quebrar regras dentro do campo e quando o faz é para provocar no jogo coisas que mais ninguém consegue?
Em todos os clubes por onde passou, Quaresma viveu preso a uma ideia pré-concebida fora do campo, a do "ter de defender" que, quase sempre, triunfava sobre a ideia de que a vitória é no futuro que se consegue, ou seja, em ideias que só se inventam dentro do campo.
Gostava que imaginassem, no futuro, um futebol com jogadores só com a personalidade, qualidades e defeitos, atitude e jogo de Quaresma
2 - Ouço-o a falar no "FC Porto em casa". Recorda as duras de Co Adriaanse (treinador decisivo por uma época apenas - mais tempo e seria uma bomba atómica - naquele momento do FC Porto) mas é quando fala do professor Jesualdo Ferreira que toca nesse ponto essencial em que um treinador entende este tipo de jogadores que têm os olhos virados para o interior do seu mundo, mas, ao mesmo tempo, registam tudo à sua volta: "Ele sabia que eu ia falhar três ou quatro jogadas, mas que à quinta ou sexta ia resolver o jogo, com uma assistência ou um golo". Parece simples. E é mesmo, se for bem feito por quem sabe entrar na cabeça e ego deste tipo de craques e falar-lhes com a atitude do... carinho. Porque depois do tal momento de insolência individual em que eles se viram para dentro, logo depois abrem-se para fora e fazem acontecer... futebol.
"Ele sabia que eu ia falhar três ou quatro jogadas, mas que à quinta ou sexta ia resolver o jogo, com uma assistência ou um golo"
3 - Nunca entendi porque Quaresma saiu do FC Porto. Jogadores destes nunca devem sair do clube que os fez e que eles depois conseguem tocar no coração.
Sei bem que não é um modelo de comportamento. Que mandou treinadores para locais recônditos. Que encolhe os ombros às criticas. Mas também que sente o jogo como poucos e que faz coisas que mais ninguém faz. Transforma a normalidade em algo excecional.
Custa-me vê-lo agora, aos 36 anos, no Kasimpasa turco, muitas vezes sentado no banco a olhar para o triste futebol que se está a desenrolar mesmo à sua frente. Não imagino nada mais cruel.
Mas porque o futebol tem de estar assim virado ao contrário e tantos acharem isso normal? Gostava que imaginassem, no futuro, um futebol com jogadores só com a personalidade, qualidades e defeitos, atitude e jogo de Quaresma. Seria melhor ou pior? Não tenho dúvidas. Seria para escrever toda esta crónica em maiúsculas.
Dia de glória para mim é aquele em que... sou eu. E isso, tem de ser todos os dias. De outra forma não vale a pena. Nem a vida, nem o futebol.