Noruega, um exemplo a seguir
Pedro Sequeira, vice-presidente da Federação de Andebol de Portugal, membro da comissão de métodos da Federação Europeia de Andebol, presidente da Confederação de Treinadores de Portugal e professor coordenador de Ciências do Desporto em Rio Maior, opina em O JOGO sobre a atualidade desportiva
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No passado dia 27 de janeiro a Noruega sagrou-se vice-campeã do mundo em seniores masculinos. Sabendo da importância que o Andebol tem nos países do norte da Europa esta informação poderia não trazer nada de relevante para refletirmos. Mas traz. Recuemos para o ano longínquo de 2000. A Croácia realizava o 4.º Campeonato da Europa de andebol (o primeiro foi apenas em 1994, em Portugal!). Para o jogo de 7.º/8.º lugar, a Noruega jogava com Portugal com quem viria a perder no prolongamento por 30-27, ficando assim em 8.º lugar. Nessa época, a Suécia, a Dinamarca e a Alemanha eram os representantes de um norte da Europa forte ao nível dos masculinos, dominando a Noruega nos femininos, onde viria a ser campeã Europeia, campeã do Mundo e campeã Olímpica. Em masculinos havia alguns atletas a jogarem fora da Noruega, mas a maioria eram amadores. Depois do ano 2000, a Noruega só voltaria a um Campeonato da Europa em 2006, ficando em 11º. Nos femininos continuavam a dominar o Mundo do Andebol.
Em 2006, a selecionadora feminina, Marit Breivik, uma das treinadoras com maior sucesso no Mundo veio a Portugal, como preletora no 3.º Congresso Técnico-Científico de Andebol. Durante a sua preleção, um treinador português perguntou à treinadora porque é que a Noruega não apostava nos masculinos como apostava nos femininos. Breivik respondeu: "os jogadores masculinos têm de provar que merecem apoio. E eles estão a fazer por isso. A maioria já percebeu que só treinando muito e bem é que poderá evoluir. Sabem o que eles estão a fazer hoje? A maioria, como é amador, como no vosso país, levanta-se cedo, vai treinar antes do trabalho (ginásio e alguns chegam a ter treinos logo às 7 da manhã!) e depois treina ao final do dia. Assim já treinam duas vezes por dia. Estou convencida que com esta atitude, daqui a uns anos os masculinos terão muito sucesso, quem sabe igual aos dos femininos." Depois de 2006 a Noruega nunca mais falhou o apuramento para uma fase final de um Europeu, chegando em 2016 ao 4.º lugar. No mundial de 2017, tal como no de 2019, sagraram-se vice-campeões do Mundo.
Hoje, a maioria dos adeptos conhecem as principais estrelas da Noruega, Magnus Jondal, Magnus Rod, Sander Sagosen ou Espen Christensen. Muitos dos jogadores noruegueses jogam nas principais Ligas Europeias e nos melhores clubes da Europa. A nível interno a Liga Norueguesa evoluiu muito, pois os jogadores mais jovens e talentos vão evoluindo por lá sem saírem precocemente. Os clubes conseguem algumas boas atuações nas competições europeias e a tendência é começarem a conseguir atrair bons jogadores de outros países para aumentarem o nível da sua principal competição.
Sabemos que a sociedade norueguesa é muito evoluída, com uma qualidade de vida das melhores que há na Europa e no Mundo. Também ao nível financeiro a Noruega é um país pujante. Mas o mais interessante é que não foi o dinheiro que puxou o andebol masculino, mas sim o trabalho, a persistência, o empenho e, acima de tudo, a paixão e a vontade de evoluir. Este é um excelente exemplo que todos nós podemos ter em conta. Muitas vezes perdemos tempo a queixar-nos por não termos dinheiro, ou talento, ou a termos uma população diminuta (a Noruega tem também apenas 5,5 milhões de habitantes...). Os atletas e clubes masculinos também podiam queixar-se de o andebol feminino retirar a visibilidade do masculino, ou o facto dos noruegueses gostaram muito mais dos desportos de inverno do que de andebol masculino. Em vez disso "arregaçaram as mangas", trabalharam muito, e hoje, ao fim de quase 20 anos, estão no topo e são um exemplo a seguir por todos. Mais uma prova que com trabalho, muito trabalho, todos podemos ser melhores, muito melhores!