No mundo do doping não há inocentes
André Cardoso acusou EPO, o que nas décadas mais recentes equivale ao mais grave dos crimes, foi despedido da Trek-Segafredo, que planeava levá-lo à Volta a França de 2017 como braço direito de Alberto Contador, e, como devem ter percebido, escondeu-se
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No ciclismo não existe presunção de inocência. Quando um atleta acusa doping - ou se suspeita disso - é imediatamente considerado culpado. Pela opinião pública, pela sua equipa, que o despede no mesmo dia, e pela maioria dos jornalistas. E a reação de quem entra nesse inferno é, normalmente, esconder-se.
Nas questões de dopagem não há inocentes, mas Cardoso desempenhou bem esse papel. Ao confessar não ser "uma estrela, nem um milionário", numa óbvia tentativa de comparação com Chris Froome, ilibado há meses no seu caso de salbutamol, tem alguma razão, mas não toda.
André Cardoso acusou EPO, o que nas décadas mais recentes equivale ao mais grave dos crimes, foi despedido da Trek-Segafredo, que planeava levá-lo à Volta a França de 2017 como braço direito de Alberto Contador, e, como devem ter percebido, escondeu-se. Só um ano depois, já então corria nos bastidores que algo de estranho se passava, deu uma entrevista, ao reputado site de ciclismo Velonews.
Confirmou então que a análise dera positivo a EPO, mas a contra-análise fora "inconclusiva", ou "atípica", como lhe chamam os senhores da Agência Mundial Antidopagem, revelou que abrira a porta à brigada de controlo às 20h15, quando a sua hora disponilizada por lei para testes surpresa era entre as 8h00 e 9h00, e terminou dizendo que não tinha dinheiro para levar o caso ao Tribunal Arbitral do Desporto. A União Ciclista Internacional "agradeceu-lhe" a sinceridade, penalizando-o esta semana com quatro anos de suspensão, o dobro do habitual!
Nas questões de dopagem não há inocentes, mas Cardoso desempenhou bem esse papel. Ao confessar não ser "uma estrela, nem um milionário", numa óbvia tentativa de comparação com Chris Froome, ilibado há meses no seu caso de salbutamol, tem alguma razão, mas não toda. É verdade que o britânico contratou uma bateria de advogados e um batalhão de cientistas para obrigar a União Ciclista Internacional a tomar uma decisão inédita; mas também fez barulho suficiente para criar a tal presunção de inocência e obrigar o organismo a pensar nos prós e contras de o suspender.
André Cardoso, no seu refúgio de Gondomar, nunca percebeu que gritar aos sete ventos que era inocente - análises inconclusivas nunca foram penalizadas - poderia ter resultado melhor do que dar uma única entrevista exibindo a corda na garganta, qual Egas Moniz. Como era de temer, acabou enforcado. E agora nunca se irá saber se estava inocente.