"Não podemos deixar de reflectir sobre a sua falta de qualidade de um jogo da I Liga"
SENADO - José Eduardo Simões, cronista de O JOGO, escreve hoje sobre a qualidade de jogo em Portugal, comparando com outras realidades no estrangeiro.
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Quando assistimos a um jogo da I Liga e apreciamos o espectáculo que nos é "oferecido", seja ao vivo ou na TV, não podemos deixar de reflectir sobre a sua falta de qualidade. Os executantes até são capazes de fazer melhor, mas o futebol que ali praticam é, sem tirar nem pôr, o que os treinadores e o ambiente nacional lhes incutem. A excepção confirma a regra: futebol pouco emocionante, insípido, desinteressante. É preciso muito amor aos clubes e força de vontade (ou talvez alguma dose de masoquismo) para dizer presente nos estádios ou acompanhar em casa um jogo.
Relvados pouco apropriados para um futebol rápido (viram o Estádio Nacional?), faltas atrás de faltas e faltinhas, paragens de minuto em minuto, picardias desnecessárias, tentativas frequentes de tentar enganar quem dirige o jogo, pouco ou nenhum respeito pelos colegas de profissão, pelos árbitros, pelo público que paga as quotas ou os bilhetes. Quem vem jogar para Portugal, rapidamente descobre e usa os vícios locais. Mas quando sai para outros campeonatos, adapta-se de imediato a critérios de maior exigência e mostra que é capaz de jogar bem melhor. Em Roma, sê romano é uma máxima que, no futebol, se aplica em pleno.
Comparemos o nosso com o futebol que se pratica em Inglaterra, em Espanha ou na Alemanha. Por lá é intenso e corrido, ora numa baliza ora noutra, lei da vantagem e Leis do Jogo aplicadas com critério, poucas paragens, um apitar às faltas que retira o incentivo às "fitas". Caíste? Levanta-te, corre e segue o jogo, a menos que seja algo sério. Transmite-se a vontade dos artistas de proporcionar aquilo que os espectadores querem ver. Por isso (claro que existem outras razões) os estádios estão cheios, a qualquer dia e hora da semana. Também por isso, esses jogos são retransmitidos para todo o mundo e são muito bem pagos. Quem consome quer ver os melhores artistas e bons jogos - bons espectáculos!
O nosso é mais próximo do ritmo pausado que se usa em Itália. Pessoalmente, tenho grande dificuldade de ver um jogo italiano de princípio ao fim. São desafios quase tão insípidos como os nossos. Só que os transalpinos possuem um mercado incomensuravelmente maior e mais pujante, jogadores famosos e agora acrescentaram-lhe o efeito Cristiano, um fantástico "produto" que se vende em todo o lado. O futebol em Itália é uma actividade global, agora ainda com maior retorno.
Portugal é um mercado pequeno e regional. Se queremos crescer, temos de mudar e seguir os melhores exemplos. Temos grande qualidade de formação e boa prospecção. Temos bons treinadores. Temos elevado potencial de competitividade se alterarmos algumas regras fundamentais (acabar com as cedências, alterar a transacção de direitos televisivos para um modelo centralizado) e se definirmos um objectivo claro: proporcionar um grande espectáculo, de primeira, vibrante e intenso, ora cá, ora lá, com golos e emoção, sem fitas e paragens desnecessárias, sem violência nem agressividade entre os artistas, os dirigentes e os adeptos. Outra atitude mais responsável e isenta da parte de todos os intervenientes, onde se incluem os órgãos de comunicação social e aqueles que, nesse domínio, não são mais que uma extensão dos interesses (monetários ou não) dos seus clubes. Se continuarmos como até aqui, vamos definhar aos poucos e poucos até deixarmos de ter qualquer importância.
O autor optou por escrever na ortografia antiga