PONTAPÉ PARA A CLÍNICA - Se queremos uma competição a sério, as normas têm de ser claras e iguais para todos.
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A justiça desportiva em Portugal foi sempre território complicado tendo, ao longo de décadas, dado à luz casos que nos envergonham e que de justiça têm muito pouco.
Notem: não se ignora que a justiça desportiva se ancora num terreno particularmente movediço, sujeita que está a um escrutínio permanente e eivado de clubite doentia. Mas reconhecer isso não nos deve deixar de admitir que há ali problemas e sérios.
Se toda a justiça deve ser célere e se uma justiça demasiado lenta não merece sequer esse nome, no campo do direito do desporto isso é elevado à máxima potência.
Por outro lado, uma justiça que passa por cima dos direitos de defesa mais básicos e que funciona sem contraditório é própria de estados autocráticos e não de um que se apregoa "de direito", como é o nosso.
A justiça desportiva vive, por isso, da tensão entre esses dois polos. De um lado, quer-se rápida, leve e eficaz. Do outro, quer-se dotada de mecanismos que permitam que todas as partes possam expor os seus pontos de vista e que consagre um direito ao recurso que não seja meramente simbólico.
A verdadeira justiça encontra a sua bissetriz algures entre esse oito e esse oitenta.
O problema é que, nas últimas e mais mediáticas decisões a que vamos assistindo ou vemos o oito, ou vemos o oitenta.
Vemos decisões que chegam tarde, demasiadamente tarde. Que chegam num momento em que já ninguém se lembra bem do que aconteceu lá atrás. Que segue um ritmo insuportavelmente moroso e que quando finalmente se faz vem em timings que logo levantam as inevitáveis suspeitas de ser feita a la carte.
E depois vemos outras que chegam à velocidade da luz, passando por cima de tudo e todos, em que manda o facto consumado, e que transformam o direito ao recurso em mera peça teatral.
Foi para contrariar este último tipo de justiça que um clube parece ter encontrado o mapa de mina e descoberto uma via tortuosa de conseguir exercer o contraditório e impedir decisões que passam a ferro tudo e todos. Descoberta a fórmula (que até representou um resultado iníquo ao permitir que um jogador some amarelos sem nunca sofrer a devida suspensão) outros se seguiram fazendo o mesmo.
Ora, tudo o que se tem passado a este nível é um absurdo. Está, por isso, na altura de os protagonistas nesta matéria mudarem algo e evitarem este jogo do gato e do rato em que ninguém sai beneficiado. Por outro lado, os utentes do sistema, esses, têm que decidir de uma vez por todas as regras em que se pretendem mover.
Se queremos uma competição a sério, as normas têm de ser claras e iguais para todos. Porque senão caímos no reino da arbitrariedade e é aí que começamos a matar uma competição. Porque quem aposta numa justiça que não é cega está ele próprio a cegar e rapidamente.