PLANETA DE FUTEBOL >> Os franceses já não nos olham com sobranceria. Pelo contrário. São eles que sentem mais pressão quando entram para jogar contra nós!
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1 - É o tipo de jogos onde mesmo com tantos craques (Ronaldo-Mbappé, Griezmann-João Félix...), só vemos pressão contra pressão. A disciplina de posicionamentos (defensivos) sem bola a impor-se a criatividade (ofensiva) com bola.
Não se trata de ter medo. Trata-se de sentir o peso do jogo e da história interminável (de fadas e bruxas) que mora no passado destes duelos França-Portugal e que são sempre destaque nas antevisões.
Nas "metralhadoras de pressing" taticamente vistas no jogar das duas equipas (quando a França cresceu na segunda parte, foi porque pressionou melhor a nossa saída de bola de trás, roubando-a logo rapidamente), há outra pressão, a emocional, de sentir o peso mental do jogo.
Até há pouco éramos sempre nós que sentíamos essa pressão em relação aos gigantes de nariz no ar. Mesmo quando entramos em campo na final de 2016, apesar das ousadas promessas feitas, entramos para o nosso tradicional jogo e estratégia de expectativa.
Nesse sentido, o que senti como maior vitória da seleção portuguesa (nosso futebol, imagem e força) neste jogo, quatro anos depois, foi que quem sentia a pressão eram os franceses. Por isso começaram cautelosos e nós mais insolentes.
Nunca se chega ao fim da história. É sempre possível mudá-la. O que a nossa seleção do século XXI está a fazer é, mais que ganhar ou perder, mudar esse curso mental-futebolístico (com natural "transfer" para o que se passa em campo).
2 - No jogo, voltou a provar-se como o jogador "homo taticus" mais importante para a fórmula de jogo de Fernando Santos é William Carvalho. Ele é o pêndulo do nosso meio-campo, um n.º 8 de condução de bola que a faz circular e mete a calma pensadora da posse que baixa os ritmos de jogo quando quer, sem que, com isso, o coletivo perca o tempo certo para os acelerar quando necessário. Ao baixar a sua influência no jogo na segunda parte, também se encolheu a nossa zona de controlo no centro do meio-campo.
É, friso, tudo essencialmente tático e técnico, porque mesmo sendo William um jogador atleticamente musculado, não é, no jogo jogado, um jogador fisicamente forte no sentido de bolas divididas ou choque. Pelo contrário, foge disso (como toda a nossa seleção de toque e passe sabe fazer) e impõe-se naturalmente pela posse e raramente pelo físico (sendo raro ganhar lances de choque mais duros).
Sabemos sempre o que queremos do jogo. Muitas vezes ficamos pelas intenções, mas isso já é para buscar nas razões de cada 90 minutos. O mais importante é que sabemos quem somos. E os franceses já não nos olham com sobranceria. Pelo contrário. "Touché"!
Quem faz o n.º 9 é o espaço
O n.º 9 sempre foi mais um problema tradicional do futebol latino, mas atualmente a ausência dum valor desses, um n.º 9 puro de referência, sucede na Alemanha.
Low encarou o problema e, para o resolver, em vez de ir buscar jogadores que não existem, olhou para o espaço onde ele devia estar e ocupa essa zona do relvado com... três homens, avançados-centro móveis dispostos num desenho de "2x1" (triângulo ofensivo do sistema 3x4x2x1). Assim identificou um núcleo preferencial de seis nomes para ocupar esses espaços: Werner, Draxler, Gnabry, Sané, Havertz, Waldschmidt e Goretzka.
Em função de cada jogo, dispõe três deles nesse triângulo do ataque, todos "por dentro" (a largura/profundidade nas alas fica para a subida dos laterais). Desse grupo, Werner é o mais n.º 9, mas gosta de espaço para embalar (como fazia no Leipzig, e neste momento joga como ala-esquerdo no Chelsea), pelo que o mais natural é esse espaço mais adiantado ser entregue ao mais criativo com golo: Gnabry.
O mais tático a pensar como médio é Goretzka, pelo que, quando entra, é chave para conectar com o meio-campo (como que dando um "terceiro médio" ao sistema, entre linhas ou recuando, como contra a Ucrânia). Não identifico trocas posicionais rotinadas entre os três, pelo que fica mais difícil marcá-los. Cada movimento deles (aparentemente anárquico) é imprevisivelmente desequilibrador.
Modelos
Mojica >> Lateral-esquerdo
Na Atalanta, está tapado por Goosens, mas quando chega à Colômbia, pode explodir como gosta pelo seu flanco, em velocidade a partir de trás, com drible em progressão e cruzamento (ou tabelas) que confundem defesas adversários. Aos 28 anos, Mojica é um lateral-esquerdo que faz toda a faixa sobre carris. No Girona, era impressionante vê-lo a subir, fazendo sucessivas piscinas táticas defesa-ataque. Resistente (1,85 m) e veloz, o ideal para clubes que buscam um lateral destas características.
Tático >> O trabalhador
Jogando entre Casemiro (pivô) e Coutinho (n.º 10), é interessante verificar como a seleção do Brasil pode fazer crescer (com essa proteção defensiva e apoio criativo a pedir a bola à frente) a posição n.º 8 que fica entre eles. Até jogadores antes de valor médio crescem logo para nível superior. Foi o que senti vendo Douglas Luiz nessa zona de ação tática contra a Bolívia, como equilibrador (sem bola) e dinamizador (em posse), jogando sempre nos locais e ritmo certo. Sempre gostei dele (Girona e Aston Villa), mas vê-lo assim, aos 22 anos, mostra como a chamada maturação da formação qualitativa dum jogador é um processo decisivo.
Sotiriou >> N.º 9 de Chipre
Ponta de lança com técnica de remate e inteligência de movimentos a desmarcar-se. Move-se em espaços curtos ou a desmarcar-se. Pieros Sotiriou vem de Chipre (brilhou no APOEL), destacando-se na seleção e, agora, no Astana do Cazaquistão, após três épocas a marcar no FC Copenhaga. Aos 27 anos, com maturidade e sabedoria acumulada da posição, seria boa aposta para voos maiores. Forte (1,86 m) e ágil com a bola (ou a buscar espaços vazios), tem instinto de golo (até para os chamados "golos bonitos").