PASSE DE LETRA - A opinião de Miguel Pedro, aos domingos n'O JOGO.
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Joga-se, este domingo, um Braga-Benfica. Desde sempre que os adeptos bracarenses encaram este jogo com grande motivação, entusiasmo e, certamente, alguma angústia. Mas um Braga-Benfica no sec. XXI é diferente de um Braga-Benfica no sec. XX.
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Lembro-me bem destes jogos no velhinho 1º de Maio, na década de 80 e 90 do século passado. Ia sempre a pé, de Maximinos até ao estádio, com o meu pai e alguns amigos. Éramos, nestes jogos, uma espécie de peregrinos, ansiando por chegar ao lugar sagrado e ter o privilégio de assistir a um milagre, uma vitória do Braga. Naqueles tempos, as diferenças entre os clubes eram muitas e as vitórias do SC Braga sobre o poderoso clube lisboeta eram raras e verdadeiros outliers estatísticos. Hoje em dia, as coisas são bem distintas. Nas duas primeiras décadas deste século, o SC Braga já teve tantas vitórias sobre os encarnados como em seis décadas do século XX. Talvez por esta razão, a própria estrutura da massa adepta seja diferente, hoje em dia. Lembro-me de, no 1º de Maio, existirem muitos "adeptos infiltrados" no seio da assistência do SC Braga (que se concentrava na bancada central e na superior), que eram facilmente desmascarados quando o Benfica marcava um golo, dando, por vezes, origem a um certo "sururu" e a gritos de "atirem com ele borda fora".
Lembro-me de, no 1º de Maio, haver muitos adeptos infiltrados no seio da assistência do SC Braga, que eram facilmente desmascarados quando o Benfica marcava um golo
Hoje em dia, principalmente nos adeptos bracarenses mais jovens, aqueles que nasceram já neste século e se habituaram a um Braga muito mais competitivo e vencedor, o Benfica é (com o Porto e o Sporting) um dos verdadeiros rivais do Braga. Ao conversar com dois adeptos (um de 14 e outro de 16 anos) antes do recente jogo com o Vitória SC, percebi que eles não sentiam o derby como eu e tantos outros adeptos bracarenses e vitorianos sentimos, como um jogo entre verdadeiros rivais. "O nosso rival é o Benfica, pois é com ele que discutimos o pódio", afirmou o Rui, no alto da sua sabedoria com 14 anos de experiência. São estes os sinais dos tempos: para os jovens adeptos do Braga, a rivalidade tem a ver com a competitividade e os rivais são aqueles contra quem lutamos diretamente, em termos competitivos.
Esta é a mentalidade certa, na verdade, pois olha para o futuro e não para o passado. O passado pouco importará para o jogo de hoje, seja o passado mais distante, ou o mais recente. O entusiasmo sentido por muitos adeptos decorrente das duas recentes vitórias sobre o Benfica não entrará em jogo. Será um jogo com tudo em aberto. A diferença é que hoje já não me sinto como um peregrino: por um lado, porque não poderei ir ao estádio, nem a pé, nem de carro; por outro lado, porque se ganharmos ao Benfica, será quase normal, não aquele milagre distante de outros tempos. A nova normalidade deste SC Braga do sec.XXI.