Messi, o pequeno bully de Félix
A linguagem corporal de Messi lembrou uma demarcação de território, um aviso ao "new kid on the block"
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Foi caricato e inesperado o bullying de Lionel Messi sobre João Félix no fim da primeira parte do Atlético Madrid-Barça da supertaça espanhola. Caricato pelo estereótipo do meia-leca autoritário atazanando o miúdo recém-chegado que se aventura no recreio sem pedir licença. Inesperado por não encaixar na imagem do Messi bom rapaz, favorito da crítica e dos adeptos, cordeiro de marcadores implacáveis que, invariavelmente, acabam no papel de vítima. Durante a sua carreira, estima-se que o argentino arrancou aos seus adversários mil cartões amarelos e duzentos vermelhos. Além disso, teve sempre o cuidado de evitar arrufos, bafafás, encostos de testas belicosos. Tivesse ele metade da têmpera de Luis Suárez e não teria ascendido ao Olimpo com aquela candura mortífera, própria do génio incapaz de praticar o mal, só de o sofrer. Não se lhe conhece um gesto de arrogância, uma pose gratuita de triunfo, uma frase de auto-engrandecimento. Era - e ainda é - a antítese do arquirrival Ronaldo, X-Man cinzelando os abdominais para as câmaras de televisão, coleccionador de espadas do asfalto, alvo de alpinistas sociais, anunciante de champôs, coisas que passaram ao lado dum Messi mais caseiro do que mundano.
Esta peripécia diz-nos bastante da carpete simbólica que o futebol estende em cada jogo - um rectângulo com vinte e dois Machos Alfa no qual, além do despique agendado, se disputam rankings pessoais
Porém, o jogo na Arábia Saudita revelou uma faceta que só confirma a cautela que a aparência dos impolutos aconselha a ter. A primeira parte não mostrara picanços visíveis com Félix - este sim, pouco antes intimidado por um figurão de tarimba, Jordi Alba, que lhe pôs o dedo no nariz mas foi logo repelido pelo português. A caminho dos balneários, Messi abordou Félix e, de sobrolho arregaçado, pediu-lhe satisfações pela desavença com o Alba, como se este precisasse de protecção. A pequena e inusitada ferocidade de Messi gerou vários memes nas redes sociais, sobretudo pela pífia carantonha de porteiro de discoteca, que teria de pedir emprestada ao colega Vidal, com as tatuagens de presidiário e a crista betumada em laca, num plágio tardio do Robert de Niro do "Táxi Driver".
Esta peripécia diz-nos bastante da carpete simbólica que o futebol estende em cada jogo - um rectângulo com vinte e dois Machos Alfa no qual, além do despique agendado, se disputam rankings pessoais. A linguagem corporal de Messi lembrou uma demarcação de território, um aviso ao "new kid on the block", como dizem os rappers, para bater a bola baixinho na savana. À falta de melhor explicação, esta postura pareceu traduzir uma ameaça imaginária ao palanque real, apesar dos feitos de Félix ainda não existirem e, a existirem, jamais se compararem aos de Messi. Mas, é sabido, o estatuto mediático mede-se hoje pelos milhões que circulam à volta do nome, e os milhões de Félix continuam a ressoar. Não por acaso, Messi evocou saudosamente os embates entre Barça e Real no tempo de Ronaldo. Com ambos na rampa descendente e com Félix e Mbappé olhando para cima, só Neymar teria condições para reclamar o bastão de melhor artista do recinto, mas o brasileiro anda demasiado ocupado com o Instagram. Cansa menos.