José Saramago imaginou um cenário de cegueira coletiva a partir de um homem. E podia muito bem ter sido um treinador de futebol - um que ignorasse talentos como os de Markovic ou Quintero, por exemplo. Fim de ficção.
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A realidade começa agora: se treinar fosse apenas a arte de gerir talentos, de facto só uma cegueira total seria capaz de explicar a ousadia de manter no banco o que toda a gente vê que fazia todo o sentido em campo. Acontece que, mais do que gerir talentos, a um treinador compete gerir equilíbrios e egos.
Essa é a etapa que Paulo Fonseca e Jorge Jesus cimentam nesta fase, embora um e outro já tenham percebido, por razões diferentes, que não vão poder sobrepor por muito mais tempo os equilíbrios e os egos ao talento. Doa a quem doer.
No FC Porto, de momento, é provável que doesse a Lucho. E, sejamos honestos, embora não conserve velocidade de ponta, o argentino mantém intacta a arte e garante também uma autoridade em campo duplamente eficaz: a que intimida o adversário e a que corrige excessos dos companheiros. Aliás, Paulo Fonseca fez questão de dizer logo a abrir que o jogador que mais admirava no FC Porto era Lucho. É em função de outros equilíbrios que terá de ser encontrada a fórmula-Quintero, que vem sacudindo um futebol que dá para o gasto, mas que só tem embalado a valer com o colombiano em campo.
No Benfica, a urgência é outra. As lesões facilitam e aceleram a via-Markovic. Mas há mais motivos: à falta de entusiasmo com os resultados do coletivo, vale a pena experimentar o estímulo das massas com pinceladas de talento individual, em jeito de renovação de fé. E Markovic vale o bilhete.
Depois, não nos podemos dar ao luxo de esperar muito tempo que os talentos fermentem. Mesmo que imperfeitos, é melhor vê-los e espremê-los antes de voarem para outros palcos.