PLANETA DO EUROPEU - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Concordemos em algo. Todas as equipas querem ganhar e cada uma tenta-o à sua maneira.
Os quartos de final deste Euro confrontam seleções diferentes em termos de ideia de jogo. Há casos, no entanto, em que, por vezes, elas traem-se a si próprias no sentido de, em nome da dimensão estratégica (com maior ou menor receio do adversário, mas excessivamente condicionadas por este) surgirem num estilo que contraria o que as identifica.
O caso da Bélgica (contra Portugal) foi o mais evidente nos oitavos. A equipa que procura sempre a bola (mesmo sentindo-se melhor em ataque rápido) abdicou dela para jogar na expectativa. O problema terá, porém, nascido antes do jogo quando se pergunta "que ideia usamos?" ou "qual a melhor forma de jogar para ganhar?". Então, a obsessão pela ordem (sem bola) toma conta da equipa e ela própria mete-se num colete de forças que quase a impede de mover-se no jogo como gostaria.
A forma como respondeu aquelas perguntas foi a causa disso. É onde começa o problema. Não no jogo. Porque esse, nos insondáveis desígnios do futebol, até o ganhou.
2 Provavelmente, irá repetir a forma contra a Itália. O onze italiano é, junto com a Espanha, o mais legitimo representante táctico do 4x3x3 nesta fase da competição. Do outro lado, sistemas de defesa a "3" (com variantes) de Suíça, Bélgica e Dinamarca às quais juntaram-se, no ultimo jogo (para encaixar no adversário) Inglaterra e Ucrânia.
Como cavaleiro solitário do 4x3x3 sem as mesmas armas dominadoras (chamem-lhe poder para ter a iniciativa no jogo) a segura seleção da República Checa. Ela explica da forma mais simples (até pela maior racionalidade natural desse sistema/estrutura na ocupação dos espaços) como qualquer equipa necessita da bússola colectiva que é a organização. E, atenção, não escrevi, intencionalmente, ordem. Porque esta é como uma corrente que a prenderia a uma ideia quase sempre repressiva (por isso a apliquei ao jogo belga contra Portugal).
3 Na organização, o jogador tem margem para encontrar nela o seu lugar e neste soltar o seu talento e visão posicional para, assim, exaltar a sua qualidade individual. Por isso, dá gosto ver mover-se, no jogar italiano, tanto Jorginho (bússola n.º 6) como Chiesa (rebelde ofensivo que entra no decorrer do jogo) ou, no modelo espanhol, tanto Sarabia (na movida desde a faixa a flanquear ou flectir) como Koke e Pedri (motor e caixa de velocidades do meio-campo). Eles adaptam-se à chamada modernidade do sacrifício táctico sem ofender nada da sua essência. No fundo, explicam como, nos diferentes estilos, só existem duas verdades absolutas: ou se conhece bem o jogo que se está a fazer ou ele nasceu porque se tem medo.
TÁCTICA
- O 4x3x3 de Itália e Espanha: as bases tácticas mais elementares
- A racionalidade do sistema e organização da República Checa
TÉCNICA
-O critério da explosividade de Maehle, lateral-direito da Dinamarca
-A relação faixa-centro de Zinchenko, médio aberto da Ucrânia
A qualidade nunca tem pressa
Falemos de jogadores. Na faixa direita da Dinamarca, o lateral Maehle é das maiores confirmações de potencial deste Euro. Defende e ataca com precisão, sem vertigem mas com o critério sereno e desequilibrador, para assistir ou resolver a jogada. Solta-se melhor nos princípios de defesa a "3" da seleção do que nos da Atalanta de Gasperini, onde também sabe jogar, mas fica demasiado condicionado pelas referências individuais (a matriz de marcação da equipa nos jogos contra adversários mais fortes).
Esta questão das referencias serem "zonais" ou "homem", embora não façam elas próprias um sistema de jogo, condicionam decisivamente os movimentos de um jogador em campo. Em vez de ter a bola (e o espaço) como referencia prioritária, a perseguição por onde o adversário se move muda o poder de iniciativa do cada um no jogo. Por isso, se vê Maehle (aparentemente) tão diferente, na explosividade pensada, a jogar na seleção.
Sigo bons jogadores e nunca fico mal. Zinchenko tem a disciplina atrevida na seleção da Ucrânia, aberto na esquerda ou por dentro. Insiste no hábito da posse que traz do clube e parece querer monopolizar a ideia de jogo da equipa. Entra, então, numa discussão com o colectivo mas, nesse debate, a bola quase sempre fica sempre do seu lado.