TEORIA DO CAOS - A chegada de Ralf Rangnick ao Man. United remete para Ronaldo, para a Seleção Nacional<br/> e, se calhar, até o Benfica.
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Achegada do treinador alemão Ralph Rangnick ao Manchester United, a que a Imprensa inglesa chama germanização da Premier League, pode ser muito útil para se perceber o futebol atual, os problemas da Seleção, Ronaldo, Luis Díaz e, se calhar, até o Benfica.
Rangnick encaixa numa categoria de treinadores alternativos, como Juanma Lillo (agora adjunto de Guardiola), Co Adriaanse ou Bielsa (antes da Europa).
De currículo sólido, mas baseado em equipas pequenas que fez crescer e em trabalhos de gestão ao serviço dos clubes da Red Bull (incluindo uma revolução na prospeção), Rangnick começou por ser ridicularizado, há uns 12 anos, quando tentou explicar (à Nuno Espírito Santo) um novo conceito de futebol num programa televisivo, recorrendo a um quadro com ímanes. Chamaram-lhe gegenpressing, que se traduz por contra pressing.
A ideia base não era 100% nova. Colhia lições da Holanda dos anos 1970 e do Milan de Arrigo Sacchi dos anos 1990, vira-se nas equipas de Mourinho e nas de Guardiola, mas não era apenas a tradicional pressão alta. Significava usar a perda de bola para atacar. O treinador de Liverpool pôs-lhe o rótulo de "melhor playmaker do mundo". A partir do momento em que a bola é perdida no ataque, o portador é pressionado de uma forma organizada e empurrado para as laterais, onde terá menos possibilidades de se libertar do que no centro (cuja proteção é fundamental no gegenpressing, por ser onde o adversário tem mais saídas de jogo). A partir daí, sublinha Klopp, o golo fica a um passe de distância.
A coisa não se faz à toa. Em geral, as equipas que usam esta filosofia limitam o pressing aos cinco segundos imediatos à perda da bola. Se ela não foi ganha nesse tempo, os jogadores recuperam as suas posições defensivas. Dito assim é simples, mas o génio está na aplicação. Como se ocupa a linha de pressão utilizando os jogadores necessários para um pressing compacto e eficaz sem deixar de ter todas as zonas controladas; como se ganha a bola; se se pressiona o jogador ou antes o passe que lhe vamos permitir fazer. Tudo isto a partir de uma preparação física muito acima do que o futebol vira até aqui.
Depois de um jogo com o Leipzig treinado por Nagelsmann, uma escolha de Rangnick, Sérgio Conceição assumia-se espantado com o detalhe dos alemães, que tinham aprendido até a posicionar o corpo para manipularem o adversário. Essa é a ideia do gegenpressing: tirar toda a iniciativa à equipa contrária e controlar-lhe até o pensamento. O Manchester United de Solskjaer era um corpo estranho no campeonato de pressing jogado entre Manchester City, Liverpool e Chelsea, cujo treinador, Tuchel, é tido como o benjamim de Rangnick. A questão é se os jogadores do United também não serão aves raras nesse ambiente.
No gegenpressing de Klopp, são essenciais três atacantes de alto nível técnico, competência física ainda maior e, claro, disponibilidade. Chegamos, enfim, a Cristiano Ronaldo, desde sempre descrito pelo próprio selecionador como alguém pouco disponível para defender, e a um futebol que não voltará atrás para lhe agradar. Em Manchester, debate-se há vários meses se Ronaldo será, ou não, um ponto fraco nesta tendência irreversível que também atinge, e talvez explique, as agruras da Seleção portuguesa, por coincidência, contra seleções que usaram os princípios do gegenpressing (Alemanha e Sérvia). Vimos como o FC Porto foi, em dois jogos, simultaneamente vítima e excelente praticante da filosofia contra o Liverpool; ou como o Benfica cedeu ao Bayern de Nagelsmann, e pode ter desprezado a pressão sobre o Sporting, ao não ter utilizado dois pontas de lança. Por outro lado, o que Ronaldo nunca será é aquilo que tem sido Luis Díaz. O Portimonense-FC Porto bastaria para pôr o colombiano na lista de qualquer treinador gegenpressing, não pelo golo que marcou, mas pela intensidade, velocidade e pelas bolas roubadas no último terço. Nas mãos do confesso adepto Conceição, Díaz tornou-se a criatura gegenpressing perfeita.