FOLHA SECA - Um artigo de opinião de Carlos Tê.
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Afinal, as notícias da cláusula inflexível de Luis Díaz eram manifestamente exageradas. De apólice de seguro contra todos os riscos passou a artigo de leilão, com o Liverpool a pôr um milhão a mais no prato dos objectivos.
Com oitenta por cento do passe e deduzidas as comissões para tão árdua negociação, o que fica enche a cova dum dente.
É caso para dizer que a cláusula pariu um rato - remediado. Os ingleses estavam prevenidos para o sufoco financeiro do vendedor que, para o disfarçar, fez bluff nas baiucas do mercado, por isso foram pacientes fazendo jus à sua laia de lojistas, como dizia Eça de Queiroz. No dia em que a transferência era anunciada, o Newcastle pagava ao Lyon 40 milhões de euros por um brasileiro sem peso, Bruno Guimarães. No ano passado, o Manchester United pagou ao Dortmund 85 milhões de euros por Jadon Sancho. Em 2018, o Chelsea desembolsou o mesmo por um guarda-redes, e o Liverpool, também nesse ano, pagou quantia idêntica por um central. Agora, por metade, leva um dos talentos mais promissores da actualidade - uma pechincha atendendo às loucuras do mercado.
Resta saber o que dirá Sérgio Conceição sobre este episódio, depois de, também ele, corroborando as advertências do presidente, ter remetido os rumores da venda de Díaz para a cláusula de betão. Imagino que o seu desapontamento seja tão grande como o do adepto que recorreu às redes sociais para mostrar a sua ira. Deve andar às voltas pelo departamento tentando descobrir como é que, com meio ano de balneário, vai fazer de Pêpê o que fez com Luis Díaz em ano e meio. Atendendo à sua reacção em ocasiões anteriores, quando deu murros na mesa por considerar que nem toda a gente no clube remava para o mesmo lado, aguarda-se o encaixe desta amputação, a meio da época e com três troféus em disputa, do elemento mais desequilibrador da equipa e o seu melhor marcador. Mas, quem sabe, pode ser que a estátua o tenha preparado para este cenário.
Para a SAD, foi jogada de altíssimo risco e um sinal de desespero. Os adeptos compreendem tudo, menos o bluff. Se o aperto era grande, mais valia dizer que era impossível segurar Díaz até ao fim da época. Se alguma coisa correr mal, nem poderá invocar o argumento insofismável da cláusula de rescisão batida com estrondo. E sabe-se como no futebol tudo pode correr mal dum momento para o outro, tendo em conta que a equipa é saudavelmente jovem (por carência e não por escolha) e, por isso, vulnerável à adversidade. E se ela pintar, os adeptos vão pedir explicações a alguém, e não será ao treinador. O azar e as arbitragens podem não ter as costas suficientemente largas. Um clube tão grande não pode ter uma gestão que navegue tão à vista. O melhor é encomendar lamparinas de azeite e círios para pôr nas alminhas e capelas da cidade, e esperar que a vantagem pontual não se dilua entre os pingos da cláusula. Com sorte, talvez Amorim não encarrile como no ano passado, e talvez Veríssimo não traga em si um novo Lage. Seja como for, ambos agradecem esta abébia.