Há um preço, sim, mas não ser livre de descobri-lo é pior. Há gerações que não tiveram direito a saber quem podiam ter sido
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Em 1968, três meses depois de o Man United ter vencido o Benfica na final da Taça dos Campeões – com Eusébio e Charlton reeditando um velho duelo –, os Led Zeppelin gravaram o primeiro álbum. Nada aconteceu. Em Wembley, Brian Kidd, com 18 anos, e George Best foram as estrelas da noite. John Paul Jones, baixista dos Zeppelin, filho de um pianista de Vaudeville que lhe ensinou a não recusar um trabalho, mesmo foleiro, tinha a mesma idade de Best: 21 anos.
Agora estreado, o filme sobre esta banda mítica, aborda o nada inicial, o penar pela América com o disco na mão – destinado só a rádios FM. O guitarrista Jimmy Page evoca ruas ainda com os cacos do Blitz nazi; o cantor Robert Plant fala de cupões de racionamento; John Bohnam, desaparecido aos 32 anos, na véspera de mais uma digressão, depois de beber 20 vodkas, fala, em filme, de como a bateria o desviou de ser carpinteiro nas obras com o pai, e de como, vindo do pacato interior inglês, só queria ficar em casa com a mulher e os filhos, mas a infernal máquina dos Zeppelin seguia já desenfreada.
O encontro destes jovens foi fruto das energias sociais da época, num país descentralizado onde se podia ser alguém vindo das berças. O rock e o futebol eram o elevador social das classes baixas, a fuga à mina, ao andaime, ao gabinete de contabilidade.
Em 1969, ao segundo disco, um relâmpago psicadélico chamado Whole Lotta Love incendiou o panorama, destronando o Let it Be. Nesse ano, os Beatles já não se podiam ver uns aos outros, como aconteceria depois aos Zeppelin. Para trás, o sonho de imitarem – e plagiarem – velhos ídolos negros dos blues, como Sonny Boy Williamson, que nem percebiam a sua relevância para aqueles brancos guedelhudos, de quem só tive notícia em 1971. Nesse tempo, conhecia Rolando e Pavão, estrelas locais. Não fazia ideia que o êxito podia ser uma dádiva fatídica. A lista é grande, na música e no futebol (Best, Vítor Baptista, Gascoigne), mas nada paga a liberdade de escolher um caminho e falhar, ou não. Cada tempo produz a arte que precisa. Aqueles jovens britânicos, além de usarem a língua do império, viveram tempos de esperança e optimismo, apesar de duros. Conheci essa energia no ar, depois de 1974 – e devo-lhe tudo.
Agora que voltam a soar tambores bélicos, ver e ouvir três avôs é uma lição de História do pós-guerra e uma vacina contra o tédio reclamante. Jimmy Page não fala de inspiração, mas de influência, trabalho, foco. E explica: quem se dedica a uma arte apaixonadamente arrisca-se a obter um dom com juros a dobrar.
Há um preço, sim, mas não ser livre de descobri-lo é pior. Há gerações que não tiveram direito a saber quem podiam ter sido. Um amigo meu, além do jeito para a bola e do vozeirão à Robert Plant, foi parar à fornalha de Tete e não voltou o mesmo.
Não sei se a guerra colonial colheu algum Plant ou algum Page. Por eles, invejei os Led Zeppelin pela liberdade que tiveram de procurar e cumprir o seu caminho. Hoje, dia de voto, não esqueçamos quem sonha devolver-nos ao bolor paternalista.