PLANETA DO EUROPEU - Opinião e análise de Luís Freitas Lobo.
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1 - Falar de tática é o lado científico mais atraente o futebol. Como, muitas vezes, esse debate fica encriptado, o mais simples, então, é descodificá-lo através dos jogadores. Isto é, vendo quais são as posições-chave nas dinâmicas de jogo encontramos os protagonistas das ideias.
Este Euro tem provado uma tendência: os extremos são espécies de vias de extinção.
Este Euro tem provado uma tendência: os extremos são espécies de vias de extinção. Se no caso do nº 10 essa extinção traduziu-se numa mudança de habitação, do centro que ocupava para passar a partir duma faixa (para onde foi desterrado em nome da disciplina tática defensiva, que só operários podem dar na zona central), no caso do extremo tal resulta (como efeito colateral) da afirmação dos laterais como os donos ofensivos das faixas, a atacar verticalmente.
Os sistemas com defesa a três impulsionam ainda mais esse princípio. Mas, mesmo antes, os laterais já tinham conquistado aos extremos esse protagonismo de jogo e espaço de ação.
2 - O maior lamento para as meias-finais é ver que o lateral-esquerdo da Itália (que é destro e, por isso, joga muitas vezes em diagonais curtas velozes, mas sem nunca perder tempo de cruzamento com o pé esquerdo) se lesionou.
Spinazzola está, porém, longe de ser um craque. Já tem 28 anos e só agora atinge este nível num percurso de carreira em que, afinal, soube aproveitar a importância que, de repente, passaram a dar a jogadores como ele. Rápido, forte fisicamente (com disponibilidade para ir, atacar, e voltar, defender) e com os "timings" certos das transições.
Na Dinamarca, outro exemplar destro na esquerda: Maehle. Já na Atalanta se percebia estar ali algo especial como cursor de faixa. No Euro, sem as referências individuais de Gasperini, atinge um nível muito alto. Joga mais solto apenas com responsabilidades zonais de marcação. Quando chega à frente, também tem critério para puxar para dentro ou, na biomecânica do destro na esquerda, enfiar um cruzamento-trivela alucinante, como fez contra a República Checa.
3 - O impacto dos laterais para desequilibrar um jogo ficou evidente com Gosens contra Portugal. No sistema alemão a três, ele voou pela faixa esquerda e, sem as marcações certas, decidiu o jogo com a sua ação. Nos seguintes, porém, contra Hungria e Inglaterra, ambas então a defender a cinco para travar a dinâmica ofensiva do sistema alemão pelos flancos, já não teve igual impacto no jogo. Quase nem se viu. Assim, mesmo com grandes avançados em campo, de quem a equipa sentia falta era do seu lateral desequilibrador.
Nos diferentes momentos, Gosens provava como os laterais se tornaram donos da dinâmica ofensiva mais imprevisível, de trás para a frente. Quando apareceu, a equipa voou. Quando desapareceu, a equipa não descolou da relva.
Nova espécie: o lateral organizador
Um caso interessante da importância dos laterais sucedeu com Alaba, na Áustria, onde na opção inicial surgiu como libero numa defesa a três para gerir a saída de bola. Embora conheça a posição, e até tenha jogado muitas vezes na seleção como médio-centro, a verdade é que, nesta posição, a sua influência no jogo da equipa reduziu-se tanto até tornar-se impercetível.
Tudo mudava quando passava, no decorrer do jogo, ou nos jogos seguintes, já como opção inicial, a jogar como lateral-esquerdo ou aberto na ala. A equipa, de imediato, reconhecia nele o elemento que, mais do que qualquer outro no espaço central, podia fazer a diferença. E assim foi. Através do seu critério e visão de jogo, a subir em apoios, buscando o espaço certo para executar cruzamentos precisos, ele mudou a equipa.
Alaba consegue ler o jogo desde a faixa como fosse no centro
Mais do que o lateral com pele de extremo, Alaba, porém, incorpora outra espécie de lateral ainda em embrião, no sentido de ser tendência a seguir: o lateral organizador. Pela visão de jogo, na relação perfeita entre jogo exterior e zonas interiores, e criando, no fim da jogada, linhas de passe incontroláveis para o adversário.
Mutante, Alaba é o primeiro protótipo dessa nova espécie anfíbia de jogador (respira dentro e fora de água; entenda-se, pressão adversária).