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Ao longo das últimas semanas temos assistido à profusão de decisões sobre a realização de jogos à porta fechada. São primeiras decisões porque, salvo a excepção do cumprimento dessa punição por parte do Paços de Ferreira, os restantes clubes preferem ir até onde puderem para adiar o cumprimento da "pena". E podemos estar a falar de anos...
As razões que motivam os castigos vão do incumprimento de normas (falhas nos regulamentos de segurança dos recintos desportivos, ou a sua ausência) ao comportamento incorrecto de adeptos e ao apoio, formal ou disfarçado, a claques ilegais.
Em relação aos regulamentos, a questão é simples: são obrigatórios, são fáceis de elaborar por técnicos com competência na matéria, por isso não há desculpa. Quem não os tem ou não actualiza, independentemente do tipo de evento, que se deixe de queixinhas, desculpas esfarrapadas ou artimanhas e trate do assunto rapidamente. Ponto final.
Quanto ao comportamento incorrecto de adeptos ou apoio ilegal a claques, já a questão é mais delicada. É inaceitável a grosseria, a falta de educação, o racismo, a violência, que devem ser reprimidos de forma inteligente, e dura quando necessário.
Recordo o caso do Reino Unido no tempo da primeira-ministra Thatcher e a forma como lidaram com o assunto, que era não apenas grave nos jogos das ligas inglesas mas igualmente nos desafios internacionais. Por isso, os clubes ingleses estiveram banidos das competições da UEFA anos a fio. Internamente, esse isolamento foi aproveitado para cortar o mal pela raiz. Por um lado, elaborou-se um registo nacional dos piores adeptos de cada clube e de outros para quem o futebol era pretexto para participar em batalhas campais, o que desde logo impediu largos milhares de porem os pés nos jogos. Para além disso, a lei permitia à polícia mandar os hooligans apresentar-se nas esquadras nos dias dos desafios para interrogatórios que podiam durar o dia todo. Quem falhasse presença, sabia que o próximo destino era uma estadia mais ou menos prolongada na prisão. Muitas outras medidas de carácter positivo foram tomadas e os anos passaram. Hoje podemos dizer que os jogos em Inglaterra, ou que envolvam equipas britânicas, são do melhor que há em termos do comportamento de adeptos.
Em Portugal, essa matéria está a ser tratada conforme a lei determina, mas é insuficiente. Os nossos estádios têm videovigilância e é possível identificar, em cada desafio, todo e qualquer espectador cujo comportamento seja inaceitável. Para além disso, no meio das claques, porque é nas zonas das claques, legais ou ilegais, que se passam os problemas, estão agentes das polícias, alguns disfarçados, cuja função vai desde tentar acalmar as hostes ou chamar os seus responsáveis à razão, até intervir quando a situação tende para o descontrolo. Assim, em vez das medidas extremas (é da lei, mas nem tudo o que está na lei foi bem pensado), proceda-se à identificação dos nossos hooligans e de todos os que contribuem para afugentar espectadores. Esses estão a prejudicar gravemente os clubes de que se dizem adeptos e alguns comportam-se como autênticos selvagens. Em seguida, façam como os ingleses e impeçam essa gente de se aproximar dos estádios, obrigando-os não só a apresentações periódicas nas esquadras como à realização de trabalho comunitário, durante o tempo adequado à gravidade do respetivo comportamento, e a frequentarem ações de formação em que se abordem temas como os comportamentos sociais, a droga, a violência e os gangues. Tenho a firme convicção de que a maioria passará a ter outra educação cívica, até porque a alternativa deve ser fortemente penalizadora. Como sucedeu em Alcochete.
Em relação ao apoio a claques, ou "grupos organizados de adeptos" (GOA), como inventivamente são por cá designados (somos dos poucos países europeus com claques), parece-me igualmente uma questão de fácil resolução, porque está ligada à anterior. Só que aqui estão clubes envolvidos e melhor seria simplesmente aumentar as multas pecuniárias, tornando-as proporcionais às receitas dos jogos em casa de cada qual. E fazer um controlo exigente das bilheteiras e das ofertas de bilhetes. Dói mais e resulta mais depressa...
Mas que não se vá logo para a interdição de público nos jogos em casa das equipas prevaricadoras. Pagam os justos (a maioria) pelos pecadores (uma minoria que devemos neutralizar), os adeptos da equipa forasteira não têm culpa nenhuma e, acima de tudo, o futebol deixa de fazer sentido. E se "matarmos" o futebol, como é que os políticos se vão aguentar sem bodes expiatórios?