PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - O fim da época será ideal para conclusões definitivas, mas quatro jornadas realizadas já permitem ter indícios para avaliar os efeitos nas equipas por jogarem com o estádio vazio.
O impacto emocional do estádio vazio está a ser superior do que imaginava num tempo tão científico que glorifica o treino e o táctico.
Confesso que tal está a ter um impacto (e consequências) maior do que imaginava. Penso nos "grandes" FC Porto e Benfica. A derrota encarnada na Luz frente ao Santa Clara revelou muito disso, como até João Henriques admitiu: "Com 60 mil nas bancadas, eles tinham empurrado o Benfica após dar a volta", duvidando que, nessa circunstância, a sua equipa conseguisse passar de 3-2 para 3-4. Mas, "sem publico, ficamos iguais", disse.
2 - Num tempo em que a "cientificação" do jogo atingiu níveis máximos, constatámos a importância do factor emocional muito para além do racional como impacto na competição. Ou seja, não existindo, à partida, o factor de pressão ou estímulo vindo das bancadas, tudo estaria mental e emocionalmente limpo para colocar em prática a essência do que é táctico e maior qualidade individual. O que se tem verificado, porém, é que esse esvaziar de tudo que antes estava à volta (e, atenção, penso nos jogos de Benfica e FC Porto) tem tido o efeito contrário.
Falta o apelo exterior vindo das bancadas cheias com adeptos aos gritos para reforçar a concentração
Repare-se: tudo o que é "puramente táctico" continua lá (e as questões físicas existiriam sempre), mas, sem sentir a pressão vinda das bancadas, os jogadores ficam "mentalmente sozinhos" em campo perante a coragem ou o receio.
Tudo isto tem, diretamente, "transfer" táctico e técnico para o jogo: baixa a intensidade de concentração sem essa pressão/estímulo. Falta o apelo exterior vindo das bancadas cheias com adeptos aos gritos para reforçar essa concentração, o que nunca deixariam a mente esvaziar-se (até se perder no jogo).
3 - Nesta reflexão, meto também o perfil dos treinadores. É verdade que a vitória do FC Porto sobre o Boavista teve muito de táctico, como Conceição mexeu ao intervalo, enquanto Lage não deu outras soluções ao seu Benfica. Mas, mesmo quando ambos perderem pontos, vê-se claramente o predomínio da "treinador mais emocional": aquele, como Conceição, entra, com o grito da mensagem, na cabeça dos jogadores, em detrimento do mais cerebral que é Lage.
Cada vez fica mais evidente como a predominância do factor emocional é mais decisivo do que se podia imaginar
O impacto emocional está a ser superior ao que se imaginava num cenário em que, sem pressão do público, o jogar concebido no treino tinha tudo para se expressar sem que nada o perturbasse. Uma ilusão, porque o futebol nunca será só razão ou emoção. É mistura das duas. E, neste momento que vivemos, cada vez fica mais evidente como a predominância do factor emocional (vindo de fora para dentro das cabeças) é mais decisivo do que se podia imaginar num tempo tão científico e arauto do rigor do treino e do táctico.
O Marketing do Fantástico
Vendo tudo desde o conforto do sofá, os últimos dias deram-nos dois jogos fantásticos no nosso campeonato, que dizem como a nossa prova podia (e devia) ser vendida e promovida para além do "marketing com palas" dos três grandes.
Trincão e Martínez vendem o campeonato melhor do que mil anúncios
Os jogos foram o Moreirense-Famalicão e o Sp. Braga- V. Guimarães. Dois jogos de nível táctico, colectivo, emocionantes, bem jogados em campo e pelos treinadores, e com jogadores a brilharem.
Em Braga, Trincão fez um golo assombroso que lhe permite, cada vez mais, "sonhar acordado" com o Nou Camp. No Famalicão, Toni Martínez nunca parou, com poder de arranque e objectividade, de de baliza nos olhos e poder de remate. Neste momento, depois do que vi dele esta época, não tenho dúvidas: é ponta-de-lança, nº9 de largo recorrido em campo, para equipa grande!
Se o gosto futebolístico passasse a ser representado por quem verdadeiramente sente o futebol, tudo seria diferente na promoção do nosso campeonato em Portugal. Enquanto ele estiver na visão redutora (e ineficaz) do marketing-negócio, tudo irá continuar a cair aos pedaços.