O amor eterno à força, conhecido por cláusula antirrivais, é a faceta mais absurda do pior que o clubismo tem. E que todos aceitamos, ou até promovemos, sem refletirmos um segundo.
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O drama da cláusula antirrivais, em cena com João Mário no Benfica, é dispensar tinta e papel.
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A jurisprudência, que se ri da cláusula, esfuma-se quando ela está tatuada no fígado do adepto e do dirigente desde a nascença. Nas últimas eleições do Benfica, senti-me aspirado para o século XIX quando o candidato Rui Gomes da Silva fechou os portões da Luz aos profissionais não benfiquistas: com ele, prioridade à pureza da raça. Outra forma, afinal, de arrebanhar os cidadãos entre "portugueses de bem" e os demais, comum a todos os clubes e entendido como natural, até imprescindível, pelo adepto menos dado a discriminações.
Fábio Cardoso, Paulo Oliveira e João Mário são três vértices curiosos da mesma patologia. O primeiro por se estranhar a contratação, pelo FC Porto, de um jogador crescido no Benfica e ter sido preciso virem os amigos defender-lhe o caráter; o segundo porque o Braga não resistiu a uma alfinetada ao V. Guimarães, de onde Paulo Oliveira partiu; e o terceiro por toda a cangalhada jurídica, neste caso a cláusula antirrivais (por acaso, inexistente como tal no contrato de João Mário), que passa a escrito a ficção de que o futebol se divide em manadas abúlicas que ligam a Sport TV a horas diferentes.
Acredito que Fábio Cardoso, de 27 anos, teria progredido mais depressa na carreira se não fossem os próprios clubes alternativos a autolimitarem-se por o suporem um eterno ativo do Benfica, dirigido por cordelinhos a partir da Luz e destinado a voltar lá. E os dados sugerem que não havia assim tanta vontade, no Sporting, de ficar com João Mário, um jogador especial que só floresce quando é bem compreendido. O Benfica, do seu antigo treinador Jesus, pode ser o último porto de abrigo. Devia ignorar o melhor passo para a carreira, talvez o único viável, por obediência à tribo? Não falta quem ache que sim.