A resistência dos brasileiros ao treinador estrangeiro é xenofobia. A dos portugueses é, obviamente, sabedoria.
Corpo do artigo
A dois passos de ser campeão do Brasil, Jorge Jesus é a varicela do século XXI. Um vírus para o qual o índio ainda não tem anticorpos, como não tinha no século XVI para as doenças levadas pelos colonizadores europeus. Como a varicela, Jesus obriga-os a coçar a cabeça, faz-lhes comichão, irrita-os, força-os a abusar do mercurocromo.
Desprezados pelo futebol europeu (ou seja, desprezados pelo futebol) e crónicos sacos de pancada no país deles, os treinadores brasileiros revoltam-se e minimizam-no. Dizem que as ideias de Jesus não são novas (para eles), nem diferentes, atribuem o sucesso ao dinheiro torrado pelo Flamengo, ignoram de propósito os pontos de atraso que a equipa tinha quando o português lá chegou. Estão fulminados pela varicela, mas insistem em chamar-lhe resfriado, se calhar por orgulho, se calhar também por xenofobia, como acusava ontem um vice-presidente do Fla.
Do outro lado do Atlântico, Portugal veste a sempre sábia superioridade moral. Mesmo Jesus, agora chocado com a arrogância dos colegas brasileiros, diz a cada dez segundos que "os treinadores portugueses [curioso plural majestático] são os melhores do mundo". Mas desde Bobby Robson que não há um treinador estrangeiro capaz de ganhar raízes em Portugal para compararmos; os que experimentam são desvalorizados e combatidos (Marcel Keizer), quando não enxovalhados (Lopetegui), embora com refinado fingimento e dissimulação.
Portugal tem, portanto, "os melhores treinadores do mundo" (que passam a vida a perder com alemães, "por causa do orçamento"), a periodização tática, o melhor scouting e a melhor formação da galáxia, Jesus, Mourinho e um campeonato tão sofisticado que só os portugueses conseguem penetrar nos seus intrincados mistérios. Os brasileiros precisam de aprender connosco; a nós, obviamente, ninguém tem nada a ensinar.
