PLANETA DO EUROPEU - Luís Freitas Lobo lança um olhar sobre o arranque do Euro'2020.
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1 - Era uma vez um jogador diferente de todos os outros num país cheio de tática. A Itália abre o Europeu da nova normalidade futebolística mas a alta-costura do seu jogo perdeu-se na ultima década.
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Através das épocas, ao mesmo tempo que tornavam profundamente dramático o debate tático de como montar a seleção, eles tinham os mais refinados e elegantes n.º 10 da Europa. Dos anos 70 com Rivera, os anos 80 com Antognoni, os 90 com uma casta de "trequartistas" de luxo, Baggio, o "divino codino", rabo-de-cavalo tecnicista, Giannini, Mancini e Zola, prolongada nos anos 2000, com Del Piero e Totti, os últimos "registas azzurros" em 2006. Depois disso, ainda houve o esboço de Cassano, mas era inevitável: o n.º 10 "regista" desaparecera do jogo e dos sistemas táticos. Vendo Pirlo, concluiu-se que ele recuara no terreno fruto do 4x4x2 que retirou esse médio-ofensivo e tornou-o num segundo avançado, o chamado n.º 9,5.
2 - Talvez se o 4x3x3 adotasse mais a variante 4x2x3x1 essa posição ressurgisse, mas a verdade é que todos esses ensaios falharam porque entretanto também os extremos deram lugar a avançados de faixa que (com o pé trocado) fazem constantes diagonais e sobrepõem-se, assim, no espaço natural do n.º 10 (que, afinal, acaba desterrado para ser um desses ocupantes de faixa em diagonais constantes à procura da sua casa natural no centro).
Este dilema é visto em muitas equipas mas nada melhor do que a Itália para percebermos o estado tático do futebol atual. Mancini recompôs a equipa com médios utilitários: a disciplina geométrica de saída com Jorginho, as rotações com bola segura de Verratti e o terceiro elemento que sabe ficar a defender (triângulo em "1x2") e dar, cuidadoso, uns passos em frente em posse, Barella, moldado à navalha tática por Conte no rochoso Inter.
É esta Itália que vai abrir o Euro, esperando, além da tática, a velocidade de Insigne ou Chiesa. Em diagonais, claro.
3 - Fico triste, confesso. Sinto falta desses jogadores velhos subversivos românticos. Sou um existencialista futebolístico, eu sei. Continuarei, olhando os relvados, contra "moinhos de vento" quando até as Dulcineias imaginárias se desvanecerem.
A grandeza do imprevisível, no entanto, continua. Tendências, modas táticas, jogadores. Recordo o que senti em 1984. Esse emaranhado sentimental que das fintas encantadas do Chalana encontrou a irónica sensação de vitória num remate de Éder em 2016. A estética, entretanto, ficara algures nos tempos. Desses, porém, recordo e fico com a certeza de que mesmo com tantas dúvidas no presente nada de mal poderá acontecer ao meu coração enquanto existir a memória.