Miguel Laranjeiro, presidente da Federação de Andebol de Portugal, numa primeira crónica para O JOGO, aborda relatório da OCDE sobre as questões da saúde
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O último relatório da OCDE sobre as questões da saúde nos 36 países membros ("Health at a Glance 2019") podia ter um título para Portugal: uma catástrofe em potência.
No capítulo sobre fatores de risco para a saúde, há vários elementos analisados como o consumo de tabaco, de álcool, de opiáceos, os níveis de obesidade e excesso de peso e a atividade física moderada dos cidadãos destes países.
Foquemo-nos nestes dois últimos parâmetros e facilmente concluiremos que isto anda tudo ligado. Portugal é dos primeiros países com maiores índices de obesidade e menor atividade física. Sim, é verdade. Dos piores ao nível da obesidade e excesso de peso em adultos e crianças e dos que menos atividade física praticam. E não digam que isto não anda tudo ligado.
Devíamos estar a discutir este tema como um desígnio nacional. Daqui a 20 anos, vão perguntar o que é que os responsáveis em 2019 andaram a fazer, tal será o peso no Serviço Nacional de Saúde de situações clínicas que poderiam ser evitáveis ou minoradas.
Morrerão mais pessoas por estes fatores, do que em acidentes rodoviários ou nas catástrofes dos incêndios. Serão mais silenciosas, mas serão mortes. Darão menos notícias do dia, mas serão mortes. Não haverá campanhas, nem manchetes sobre manifestações de indignação, mas serão mortes. Se o desporto é o melhor remédio que existe para muitas destas situações porque fica quase tudo na mesma. Portugal é um grande país, somos muito bons em muitas áreas, mas aqui, desculpem os otimistas, estamos perante um desastre em potência.
Mas vamos ao relatório da OCDE.
Ao nível das crianças entre os 5 e os 9 anos a situação não é muito melhor
O excesso de peso e obesidade é um fator de risco para várias doenças não transmissíveis incluindo diabetes, doenças cardiovasculares e alguns tipos de cancro. Com base nos dados de 2017, agora divulgados, 58% dos adultos de todo o universo avaliado, apresentavam sobrepeso incluindo obesidade. Os primeiros três países com números mais preocupantes são o Chile, México e Estados Unidos, mas Portugal vem logo a seguir, em quatro lugar (67,6%), entre todos os países da OCDE e é campeão Europeu. Somos bons em muitas coisas, mas esta classificação era desnecessária.
Ao nível das crianças entre os 5 e os 9 anos, idades criticas para os adultos do futuro, a situação não é muito melhor. 37,1% das crianças portuguesas têm excesso de peso, em comparação com a média de 31,4% da OCDE, sendo o nosso país o quatro da Europa. Mais grave: entre 1990 e 2016 aumentamos em cerca de 11% a taxa de obesidade/excesso peso infantil, mais uma vez sendo um dos países europeus com maior incremento, só ultrapassado largamente por países como a China, África do Sul, Costa Rica ou a Indonésia.
No mesmo relatório são apresentados os números de exercício físico moderado, praticado por pessoas com mais de 15 anos. Estamos a falar de pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana. Continuamos na linha da frente dos piores resultados. Para uma média da OCDE de 66,5% da população que têm atividade física moderada, Portugal regista apenas 57,1%, sendo apenas ultrapassado nos maus índices por Espanha e Itália. São dados de 2014 (os mais recentes) e pode até ter havido alterações positivas, mas o mesmo também se aplica a todos os países. No lado oposto, os países com maior taxa de atividade física são a Suécia, Islândia e Noruega.
Chegados aqui, não haverá nada a fazer? Seria a pior decisão e estou certo que ninguém a defende. Mas chegados aqui, os poderes públicos não podem ficar inertes, à semelhança dos níveis da atividade física. Têm que agir. Como bons exemplos tenho de referir que a disciplina de educação física passou a contar para a média de acesso ao ensino superior ou ainda que a Direção Geral de Saúde tem em curso uma campanha importante sobre hábitos alimentares. É positivo, mas o que está em causa merece muito mais. Deve ser um desígnio nacional, que nos convoca a todos, envolvendo o Presidente da República, o Governo, as Autarquias, as estruturas do Desporto Nacional, incluindo o Desporto Escolar, os Clubes, as Federações Desportivas, as Escolas, as Famílias, etc.
Reflexões para o futuro
Deixo algumas reflexões para futuro: temos que assumir o Desporto como elemento central na educação/formação das crianças e jovens; um Desporto Escolar verdadeiramente alinhado e articulado com as estruturas existentes, nomeadamente as escolas, as Federações e os clubes locais; criação de espaços e equipamentos desportivos de qualidade (os nórdicos têm menos frio nos pavilhões que as crianças portuguesas e é sintomático a taxa de atividade física nesses países); um espaço público aberto ao usufruto da população com incremento de estruturas para o desporto informal; redefinição e aumento do apoio estatal para o Desporto no seu todo, sendo que essas verbas regressam, exponenciadas, aos cofres do Estado, sob diversas formas (este tema dava para outro artigo).
Obesidade/excesso de peso e falta de atividade física são duas faces da mesma moeda e é mau estarmos nos primeiros lugares a caminho de uma derrota anunciada. Dito isto, sei bem que a saúde é apenas uma das dimensões do Desporto, mas ficam aqui umas simples notas sobre a matéria. É que isto anda tudo ligado e ninguém liga nenhuma.