Paulo Faria, antigo internacional A de andebol e ex-treinador escreve para O JOGO
Estive, mais uma vez, na Alemanha, no já mítico Lanxess Arena a assistir ao vivo aos jogos da final four masculina da Liga dos Campeões de andebol. Para quem gosta de andebol, como eu, considero-me um felizardo por poder vivenciar, participar, sentir, ver e ouvir, tão imponente momento.
Depois de chegar a Portugal, e fazendo um resumo do que se passou,senti alguma amargura na comparação com o atual momento da modalidade e do desporto português em geral. Sei que não temos os mesmos recursos destas equipas, mas podemos, e temos obrigação, urgente, de melhorar em duas áreas, dentro e fora do campo.
Estiveram nas bancadas mais de 20 mil adeptos de quase todo o mundo, e em número maior, naturalmente, os apoiantes das quatro equipas participantes: Barcelona (Espanha), Kielce (Polonia), Kiel (Alemanha) e Veszprém (Hungria).
Vi nestes jogos dois policias (!!!). Acredito que possa ter sido falha minha não ter visto mais, eventualmente estariam uns dez ou 20... Entrei e saí do pavilhão, com apoiantes das diferentes equipas, cada um feliz ou menos feliz em consequência dos resultados, mas sem confrontos, sem guerras, sem ninguém escoltado, sem qualquer tipo de necessidade de presença musculada e dissuasora de um aparato policial como é comum ver em Portugal até em jogos de formação.
"Em Portugal, infelizmente, é impossível haver uma final de um campeonato, seja em que modalidade for, sem que haja acontecimentos de violência nas bancadas e agressividade entre adeptos"
Sim é possível haver um jogo, com mais de 20 mil pessoas, em que a disputa entre as duas equipas é o grande espetáculo, em que as famílias podem participar, tranquilamente e sem terem medo do que lhes pode acontecer.
Em Portugal, infelizmente, é impossível haver uma final de um campeonato, seja em que modalidade for, sem que haja acontecimentos de violência nas bancadas e agressividade entre adeptos. E, por fim, não há jogo, principalmente de futebol, que não termine com declarações acusatórias de treinadores, jogadores e dirigentes sobre o árbitro para justificarem o mau resultado.
Considero como principais responsáveis pelo crescimento, perigoso, a que estamos a chegar, os dirigentes políticos, que são incompetentes e covardes por não quererem puxar a si as medidas drásticas que são absolutamente necessárias tomar uma vez que os dirigentes desportivos não querem mudar.
Não podemos continuar a ter adeptos que vão para um pavilhão só para insultar, ter dirigentes que passam a semana a lançar suspeições e a instigar os jogadores, treinadores e adeptos, ter treinadores que usam a justificação do árbitro para o falhanço da equipa, ter jogadores que não são leais, procurando lesionar ou enganar o árbitro, ludibriando as regras do jogo e da ética desportiva.
Os regulamentos das diferentes modalidades são feitos pelos dirigentes de cada uma delas, autonomia que eu consideraria positiva se estes a soubessem utilizar, mas, se não são capazes de parar este fenómeno assustador que estão a ensombrar os espetáculos desportivos, não pode o Governo assobiar para o lado. Pode, e deve, exigir uma alteração profunda desses mesmos regulamentos.
Pode, se quiser, o Governo exigir um conjunto de normas que obriguem, por exemplo, que os intervenientes numa partida, só façam declarações sobre o jogo sendo proibidos de falar dos árbitros.
É ou não possível criar regulamentos que obriguem que as decisões disciplinares sejam conhecidas no espaço máximo de 72 horas sem direito a recurso?
É ou não possível criar leis rígidas e com penas pesadas, sejam pecuniárias ou de proibição de entrada em recintos desportivos, para adeptos que tenham má conduta, penalizando também os clubes que não tomem medidas drásticas para com esses mesmos adeptos?
Comparem o comportamento de jogadores, treinadores, dirigentes e adeptos da final da Liga dos Campeões, entre o Kielce e o Barcelona, e o comportamento dos mesmos intervenientes na final da Taça de Portugal de andebol entre o Sporting e o FC Porto.
O nosso desporto, em todas as modalidades e em todos os escalões, está perigosamente doente e a precisar que os dirigentes e políticos tenham a coragem de obrigar a uma alteração profunda dos regulamentos federativos e das ligas. Ao nomearem políticos irresponsáveis, impreparados e incompetentes, sem coragem, o estado português está a ser cúmplice na morte do desporto.
Por último, um momento maravilhoso, que podem ver num vídeo partilhado na Internet, do treinador finalista que, ao perder a Liga dos Campeões em livres de sete metros, em vez de justificar a derrota com os árbitros, as viagens, as condições do "relvado" ou outras, aceita que o desporto tem e terá sempre vencedores e vencidos, aproveitando o momento para lançar e motivar a equipa para um novo objetivo, e focando-a para procurar outra vez o caminho do sucesso.
Talant Dujshebaev, um líder, competente, igual a si próprio. Sei que sou suspeito, para mim foi um dos melhores centrais do mundo, com quem disputei a famosa final da Liga dos Campeões entre o ABC e o Teka de Santander, em 1993/94, mas, tanto na altura soube ganhar, como agora, além de ter sabido perder, conseguiu maximizar o momento e "DAR AO PEDAL" como tão bem explica no seu livro o meu amigo, Professor Jorge Sequeira.
O desporto, como atividade de entretenimento, tem emoção, socialmente provoca alguma irracionalidade para justificar as decisões ou os resultados dos seus clubes de coração, mas não pode, nunca, perder as suas principais funções: por um lado o desenvolvimento integral do ser humano, por outro o seu entretenimento.
