Há um pacto de silêncio que ninguém ousa questionar: o 0-0 continua a valer um ponto
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Há um pacto de silêncio no futebol que ninguém ousa questionar: o empate a zero continua a valer um ponto. Como se fosse uma espécie de prémio de consolação por ter mantido a compostura e não estragar a relva. Mas o que é que se está a premiar, exatamente? O talento defensivo? A falta de ousadia? O medo mútuo? Ou, pior, a preguiça estratégica disfarçada de “jogo táctico”?
Gerard Piqué, ex-jogador do Barcelona, disse recentemente no podcast de Iker Casillas aquilo que muitos pensam, mas poucos ousam verbalizar: "Não pode acontecer ires a um estádio de futebol, gastares 100, 200 ou 300 euros e depois o jogo terminar 0-0". E tem inteira razão. Mais razão do que muita gente com cachecol ao pescoço quer admitir. Piqué propõe um novo sistema de pontuação: vitória, três pontos. Empate com golos, um ponto para cada lado. Empate sem golos, zero pontos. Simples. Elegante. Revolucionário — como quase tudo o que mexe com dogmas.
Nos grandes palcos — da Liga dos Campeões à Libertadores — quem paga bilhete exige mais do que noventa minutos de futebol sonolento disfarçado de estratégia.
Não se trata de castigar o empate — trata-se de penalizar a ausência de risco. O nulo absoluto, sem golos. O marasmo em 90 minutos de passes laterais, de guarda-redes que poderiam estar a fazer palavras cruzadas, e de bancadas onde até a claque adormece. A baliza existe. O golo é a essência. O resto é tabela estatística.
Sabemos que há empates a zero memoráveis, tensos, dramáticos, com trave e emoção. Mas são a exceção, não a regra. A maioria dos 0-0 que povoam a história recente do futebol são jogos em que ninguém quis perder. E quando ninguém quer perder, perde-se o jogo.
Esta ideia — simples, prática, justa — devia ser discutida seriamente pelo International Football Association Board (IFAB), o órgão que decide o que é e o que não é futebol. Foram eles que autorizaram o VAR, o golo de ouro, os cinco substitutos e até o spray para marcar barreiras. Não seria escandaloso debater a justiça de não atribuir pontos a quem não marcou nenhum golo.
Imagine-se o efeito: nos últimos 10 minutos de um jogo empatado a zero, nenhuma equipa poderia acomodar-se. Teria de atacar, tentar algo, arriscar. A estatística agradecia. Os adeptos também.
E, por fim, a verdade essencial: não se vai ao futebol só para ganhar. Vai-se para viver. Para vibrar, sofrer, saltar do banco. Insiste-se: um 0-0 pode ter tudo isso? Pode. Mas raramente tem. E o futebol, tal como a vida, vive de exceções que confirmam a regra.
Se queremos manter o jogo vivo, com gente nas bancadas e olhos colados ao ecrã, talvez seja altura de premiar quem tenta marcar golo. Trata-se de não premiar o nada. Porque o nada, mesmo com belos passes e muita posse de bola, continua a ser… nada.