PLANETA DO EUROPEU - A análise e a opinião de Luís Freitas Lobo
Corpo do artigo
1 - Duas equipas-símbolo da cultura de posse. Ideologias comuns que no jogo não se traduzem da mesma forma porque, embora no meio-campo ambas respeitem esse traço, nos outros setores essa cultura já não recebe o mesmo tratamento.
A Croácia tem três médios que sabem tudo que dizer à bola (Modric tira-a da pressão de forma criativa e a dupla Brozovic e Kovacevic esconde-a como quer), mas o ataque jogava quase dando empurrões no jogo na dimensão física de Petkovic (n.º 9 de choque), Rebic a tentar arrombar o lateral desde a faixa e Vlasic a sofrer como ala (joga bem, mas a segundo-avançado).
A Espanha mede a velocidade da... bola por todo o campo. Busquets, Pedri e Koke montam uma teia a meio-campo, de passes, que se estende a Sarabia desde a direita. Ferran Torres, extremo, será o mais vertical (com precisão de cruzamento) que mais acelera nas pernas, mas Morata, mesmo com problemas com a baliza, nunca perde noção de (como n.º 9 de apoios) jogar com a equipa. Vai buscar a bola onde for preciso (e isso faz toda a diferença).
O jogo muda quando a Croácia desmonta o sistema (assume três defesas) para meter outro tipo de avançados, a dupla Kramaric-Budimir na frente, com Brakalo e Orsic nas alas, mais Pasalic (as cinco substituições lançadas por Dalic) a comerem todos os espaços ofensivos entre linhas sem deixar respirar a posse espanhola. Mesmo com esta explosão demográfica no ataque, o onze mantinha o centro de pensamento do meio-campo com a dupla Brozovic-Modric.
2 - O momento em que aquela longa bola voava até ao pé de Morata, desmarcado no poste mais distante, suspendeu a respiração de todo o mundo espanhol. Estava ali concentrado tudo o que é a cabeça dum ponta de lança. Mais do que um golo, uma bola que, indo fulminante bater nas redes, era metralhadora de pressão e grito de revolta em forma de técnica (receção) e fúria (remate). Grito de ponta-de-lança a fazer amor com a baliza.
3 - O trunfo da Suíça nos penáltis surge após um jogo épico, em que a equipa teve de renascer nos instantes finais dos 90 minutos (de 1-3 para 3-3). Em todos os momentos, nos de controlo tático, como um programa informático de futebol, e nos do resgate do equilíbrio tático e emocional coletivo, uma dupla de médios-centro, Xhaka-Freuler. Do outro lado, a França reagiu quando abdicou de um 3x4x1x2 sem entrosamento para lançar um 4x4x2 que, mesmo com o jogo partido, lançou as suas feras ofensivas em cima da defesa suíças. Nesta Suíça está muito do que faz a força de uma grande equipa: concentração e capacidade de reação. No leme das operações, um treinador que ergueu as bases deste relógio de futebol helvético, Petkovic. Ganhou uma equipa, ganhou uma ideia de jogo.
Os utilitários checos
Os Países Baixos caíram do Euro num jogo em que sentiu a insustentável leveza do falso "9". Ao trocar um forte ponta de lança de raiz, Weghorst, por um segundo-avançado móvel, Malen, para se juntar a Depay (em 3x4x1x2) tirou potência e presença na frente do ataque. Manteve as operações de circulação no "2x1" do meio-campo mas, sem conseguir a melhor ligação ofensiva, deixar os perfurantes médios checos jogar (em contenção) por dentro do seu meio-campo laranja. Aprisionado, De Boer não conseguiu, em inferioridade numérica, repensar a equipa e o jogo.
O 4x2x3x1 checo respeita as bases mais elementares deste sistema, reforçado com o trinco Holes, que ganhou o estatuto de titular no decorrer do Euro, devido à sua robustez física com sentido posicional a marcar e .simplificar o passe defesa-ataque. Sem nunca tremer, é a personificação da coesão tática do onze. Como que dá oxigénio aos outros médios para jogar.
Soucek solta-se mais e num jogo em que não contava com a temporização do "10", Darida, abriu possibilidade para surgir Barak a juntar sempre linhas de trás para a frente. Nas fundações táticas que tornou tudo isto possível esteve sempre Holes, o utilitário protagonista. Um tipo de jogador que se torna cada vez mais referencia de estilo na posição "6+8" do futebol atual.