PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Tenho dificuldade em encontrar sentido para tudo isto, para continuar assim. Será difícil manter esta realidade "pause-play" durante muito mais tempo.
O presente é composto por uma realidade desconexa que revela uma viagem incompreensível no espaço e no espírito.
Assisto às meias-finais da Taça da Liga e tenho dificuldade em perceber onde pode "este" futebol jogado num estádio vazio, "esqueletos de multidões", encontrar o seu verdadeiro lugar, o seu sentido, a sua razão de ser neste tempo que é uma espécie de "não sítio" em que estamos (como quando estamos numa sala de um aeroporto, nas horas intermináveis dum embarque infinitamente atrasado).
2 Um treinador sozinho no banco e uma equipa feita de um onze que reuniu peças caídas. O Benfica entrou em campo para jogar com o Braga. Jesus, solitário com toda a equipa técnica confinada, inventou um sistema com três centrais que raramente conseguiram falar entre si (da dupla improvável Todibo-Jardel ao terceiro central vindo do recuo de Weigl) e dois laterais "desenrascados" (João Ferreira-Cervi) a querer olhar o jogo de frente mas a não ver o horizonte mais do que alguns metros.
E, de repente, vejo-me a saltar ao ver as grandes defesas de Matheus, guarda-redes "gigante voador" do Braga. Carvalhal também passara há pouco pelo mesmo túnel da "realidade desconexa" em que vivemos e que o futebol torna num espelho perturbador. Não teve também os seus centrais e médios em jogos recentes. Agora teve o onze (quase) completo e ganhou um jogo "de realidade... surreal" através desse maior conceito de equipa como coletivo que lhe permitiu ter sempre uma organização mais consistente (acrescentada pelo poder de fazer "coisas diferentes" na frente do "vagabundo criativo-definidor" Ricardo Horta).
3 Percebo a vontade de resistir. Sinto tudo (até o impercetível). Como se fosse possível colocar a vida em "pause" por uns momentos (confinar, isolar) e, depois, por outros momentos, carregar no "play" e (de máscara ou calções e chuteiras) voltar a viver e a... jogar.
Nesta "redoma de Leiria", também o onze do FC Porto entrara "assintomático" mas deixando em casa "confinado" a sua base. No Sporting, as dúvidas sobre o que realmente tinham ou sentiam. A metralhadora das dúvidas. O triunfo do medo.
E, no entanto, a bola rolou, por 180 minutos em que, perturbantemente, me empolguei com os jogos, com a emoção das jogadas, a incerteza do resultado. Como se tivesse entrado num "mundo paralelo Blade-Runner". Tenho dificuldade em encontrar sentido para tudo isto. Será possível manter esta realidade "pause-play" durante muito mais tempo? Não acredito. Não encontro lógica.
"Mundo" de Jovane
Em poucos minutos (os finais, dramáticos e decisivos), Jovane mostrou como o futebol pode escapar à mais fria e dura realidade. O jogo parecia perdido para o Sporting num cenário em que todos fazíamos esforço para pensar (só) em futebol. E, de repente, um jogador leva-nos para um "mundo só seu". Desde o remate colocado em arco que contornou o guarda-redes do FC Porto, levando a bola a bater no poste e entrar, até às lágrimas no final, que tinham alegria e revolta misturadas. Pelo meio, ficara, já nos descontos, o duelo mágico avançado-guarda-redes, quando se isolou e (outra vez no "mundo só seu") finalizou como se soubesse quando rematou que o destino estava escrito e aquela bola ia entrar mesmo, sem dúvida.
Gosto de jogadores assim. Que fazem golos destes e choram no fim. Têm futebol e vida à flor da pele arrepiada. Jovane não tem um estilo elegante de jogador (e de jogar) mas tem a perceção exata do que é jogar futebol (para si e para a equipa). Comigo, um jogador destes jogava sempre. Ou, se não pudesse, ia sempre no autocarro na mesma.