A ironia do faroeste que são as transferências de futebol está no facto de ser tão difícil provar que houve trapaças como demonstrar ao adepto, sem margem para dúvidas, que foi tudo limpinho.
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Quando o presidente de um dos mais gastadores clubes do mundo é fisgado a pôr reticências na integridade de um empresário de jogadores e de um presidente com quem viria a fazer vários negócios nos nove anos seguintes, a investigação deve ser instantânea, quer em Espanha, quer em Portugal.
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Não importa que Florentino Pérez, na conversa gravada de que damos conta, tivesse o propósito de caluniar o antecessor, responsável pela compra de Pepe ao FC Porto: importa que, pensando daquela maneira, partiu, ainda assim, para uma profundíssima intimidade com Jorge Mendes e para vários negócios vultuosos com Pinto da Costa (Danilo, Casemiro, Militão).
O presidente do Real Madrid reagiu em modo de emergência, enviando em poucas horas aflitos comunicados aos jornais desportivos portugueses, para atestar a maior "transparência" de Mendes e Pinto da Costa, por saber que aquele dedo apontado aos outros dois personagens, em 2012, também está apontado a ele em 2021. E também sabe outra coisa: qualquer transferência de jogadores, nos dias que correm, envolve tamanho emaranhado de intervenientes, empresas e depósitos em offshores inexpugnáveis que é tão complicado provar a culpa de alguém como a inocência.
O FC Porto declarou os 30 milhões de euros recebidos por Pepe tanto ao fisco como à CMVM e até pode ter feito, de facto, o negócio mais limpo do mundo, mas nenhum observador do futebol atual fica tranquilizado com esses dois atestados de transparência. Não existe nenhuma lei, nenhuma regulamentação, nenhum organismo, nem qualquer mecanismo suficientemente esclarecedor para que, no dia seguinte a uma revelação como a de ontem, o visado possa pegar nuns papéis, chamar a Imprensa e dizer: "Estão a ver? Estão aqui os factos." Talvez alguém deva pensar nisto.