PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Nada é mais desafiador, para a realidade ou para o romantismo, do que colocar frente a frente mundos tão distantes.
Ao contrário do que se diz, não acho que os extremos se atraiam. Acho mesmo que têm muros existenciais entre eles (quase) intransponíveis mas o futebol é outra história.
Os ambientes de Taça provocam ambientes únicos. Não equiparam realidades de dimensões tão diferentes mas juntam-nas por momentos no mesmo relvado (no passado longínquo podia ser num pelado, campo de terra mesmo). Não exageremos, porém, neste desejo de romantismo.
Senti, contudo, algo semelhante vendo o emblema da Cruz de Cristo voltar a surgir na elite no palco do Restelo.
O que era antes historicamente habitual na elite, agora só é possível através da Taça. Desde a rutura com a SAD (que agora compete na I Liga com o apátrida nome de B-SAD) o verdadeiro "Os Belenenses" (como clube) voltou às bases das competições e após os distritais está agora no Campeonato de Portugal (a 4.ª Divisão, na prática). Sofreu um golo no primeiro minuto mas isso não abanou nada, do relvado à bancada.
2 Não me recordo de ver as bancadas do Restelo com tanto entusiasmo azul. Não tinha nada a ver com o resultado. Tinha a ver com o orgulho. Emblema e história. Penso que depois desta demonstração clubística não ficaram dúvidas sobre onde está o verdadeiro Belenenses no disfuncional panorama atual do futebol português que partiu ao meio a visão que, desde fora, se tem do Belém.
Nuno Oliveira é o treinador, 34 anos, que vem acompanhando o onze azul desde a sua "refundação" competitiva. Com ele, já subiu três escalões (os distritais) e agora está no mais baixo dos nacionais. Contra o grande Sporting resistiu e jogou, do 5x4x1 (as grande defesas do guarda-redes Valverde e a movida do avançado cabo-verdiano Cle) ao desdobramento em contra-ataque com três avançados.
3 Rúben Amorim parecia estar a jogar um jogo do campeonato. Fez rotação em algumas posições, mas a estrutura-base do onze estava lá, regressando Pote para resgatar ritmo de jogo. Gostei de ver o miúdo, 17 anos, Gonçalo Esteves a lateral-direito. Não tem medo do jogo (nem de cometer erros) e tem estilo (cópia natural do irmão Tomás Esteves). Soube perceber como joga a equipa a "3".
Provando como o jogo estava difícil (com o 0-1 em aberto) teve de lançar, aos 60 minutos, as setas das alas Porro-Nuno Santos. O instinto goleador da "fórmula TT" resolveu o resultado mas a forma como festejou os golos disse a moral do jogo: a história e o coração fizeram, durante muito tempo, os extremos (I Liga-IV Divisão) tocarem-se competitivamente.
O lado azul "mais sério"
A forma infalível das equipas grandes evitarem alçapões tomba-gigantes é manter três/quatro peças indiscutíveis para marcar a diferença individualmente. Dessa forma, se o jogo ameaçar fugir, esse chamado "lado sério" agarra-o e resolve.
Com Otávio e Sérgio Oliveira, o FC Porto assegurou controlar o jogo no centro de operações. Mal eles pegavam na bola, a tentação do "pelo na venta" do Sintrense baixava a cabeça.
Vê-se que Pepê ainda é um jogador tímido. Não arrisca como fazia no Brasil. Em vez de tentar logo sem medo uma diagonal, prefere receber e jogar simples (jogar em conjunto em vez de inventar individualmente com fintas). A equipa também não o procura muito e ele deixa-se estar na faixa, quieto. Vejo-o assim, nota-se a rapidez, mas penso que, nesta altura, mais do que insistir em trabalho tático para aprender o jogo europeu, necessita mais que lhe abram a cabeça e lhe tirem de dentro o bloqueio que trava o soltar dessa insolência.
Evanilson é um n.º 9 com potencial de crescimento mas tem de melhorar a amplitude de movimentos de rutura/desmarcação sem bola. Quando o fez bem, Sérgio Oliveira fez-lhe um passe com olhos e a oportunidade surgiu-lhe à frente para marcar. Não é um tecnicista de receção. Além do "barulho" da área. Precisa, por princípio, que lhe fabriquem as jogadas.