PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Sinto que o futebol pede tempo, tal como quem recupera de danos depressivos (com anos de stress acumulados). Não é questão de se arrepender das várias coisas que fez (e faz). É de sentir que, afinal, não será tão forte assim, que não é intocável.
Um estádio vazio, com música bem alta para iludir o silêncio que continuava presente mesmo com o volume das colunas no máximo.
Fazer a festa dum título neste ambiente é algo para que nunca ninguém se tinha preparado. Nem conseguiria. É muito mais difícil do que jogar num estádio vazio. As emoções parece que ficam presas, custam mais a sair, porque quando chegam "cá fora" não encontram o acolhimento sufocante.
Senti isso quando soou o apito final e vi Conceição, adjuntos, todo staff portista, até jogadores mesmo. Davam todos uma sensação de "grito preso". Era tanta a vontade de o soltar, mas tudo o que os rodeava era tão estranho que ele saía mordido. Aos poucos, foi-se (foram-se) soltando, mas ainda com "look de quarentena" iludida por ilustres na tribuna de iphone ao alto a fazer filmes.
Como comparar este desejo de ser "instastory" com o do futebol profundo de cachecóis no ar e as fotografias que se tiravam eram com os olhos para ficar no registo eterno da memória? O futebol apercebe-se disso e foge emocionalmente.
2 Foi quando esse "grito preso" ameaçava a festa azul-e-branca de ter os contornos históricos de confronto que treinador e presidente, cada qual do seu lugar, e com as bases pessoais catalisadoras, soltaram o ataque aos que desconfiaram e criticaram nos momentos em que a equipa estava por baixo. Este ADN que faz de todo o FC Porto "mestre na arte do conflito", combatendo inimigos, reais e imaginários, é uma "segunda pele" do clube. O tempo da revolução vinda de 1978 voltou a fazer sentir necessidade de se reinventar em 2020.
Passou muito tempo, cronologicamente. Não passou quase nada, no status estabelecido. Por isso, a necessidade das mesmas palavras. A resposta antes da afirmação. A revolta antes do festejo. A luta antes da vida. Ou confundindo-se com ela.
3Entre Rodolfo, Oliveira ou Gomes de 78 até Danilo, Alex Telles ou Marega de 2020 há um fio histórico de "Porto sentido" que liga dois tempos e tornam a distância de mais de quarenta anos num mero "sopro no coração". Podiam emocionalmente jogar todos na mesma equipa para quem os vê (ou viu) nas duas épocas. O "moer de um sentimento" desde as bancadas é o mesmo. O "ganhar contra" sempre foi o catalisador deste FC Porto "pedrotiano e de Pinto da Costa". As gerações que fizeram o temp(l)o. Ao mesmo tempo, alguns ovos desse ninho são só um pássaro.
As bolas paradas
Os lances de bola parada são um momento cada vez mais importante pela quantidade de jogos que decidem. A tendência é para aumentar, tal a forma taticamente cada vez mais evoluída de as equipas defenderem, fechando espaço, ou até no arrastar o tempo de jogo e fazer as chamadas "faltas táticas". É, também, apesar dos méritos de quaisquer modelos de jogo, o momento em que o treinador pode intervir de forma mais direta no decorrer do jogo, porque a eficácia desses lances depende muito do que ele trabalha no treino. Os tais lances de laboratório.
São também, momentos exclusivamente da técnica do jogador, como na marcação dum livre direto (algo que, num jogo, pode valer mais do que tática mais perfeita). Lembremos os cabeceamentos de Danilo a desbloquear resultados contra Tondela ou Sporting ou dos livres de Alex Telles até o eclodir de Fábio Vieira. É "outro jogo", de traço específico ou particular, em que o FC Porto também é mais forte. Do treinador aos jogadores. O desafio que, vendo tudo isto acontecer, se coloca aos adversários nestes lances cada vez mais decisivos, é sobre como treinar para os travar/anular. E isto aplica-se a todas as equipas.