FC Porto, Benfica e as bombas criativas
O Benfica acabou o jogo quase taticamente paralisado de medo. O FC Porto acabou com um remate que ultrapassou toda a exibição
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1 - Sem ciência. O Portimonense montou um 5x4x1 com boa saída, mas 90 minutos são muito longos para uma organização que, mesmo sem erros, pode ruir pela força adversária. Tenho falado muito na criatividade como o saber dar diferentes respostas a problemas iguais. Seja usando jogadores mais rápidos (como Marega ou Alex Telles), seja usando jogadores mais de elaborar (como Otávio e Nakajima).
O FC Porto tentou das duas formas frente ao "muro algarvio com o nariz de Jackson de fora". Quis primeiro ganhar pelas faixas, tentou depois mais pelo meio e então foi amassando a zona central, de maior explosão demográfica adversária.
O efeito Nakajima das fintas abre-latas de espaços curtos teve impacto imediato (a criatividade individual ao serviço do coletivo), mas, quando ele se desvanecia face ao rigor fecha-espaços adversário, saiu o momento acima do jogo, a bomba criativa, pela bota de um jogador da classe dos mais rápidos.
lex Telles é, porém, muito mais do que só velocidade, porque sabe concluir esses piques com cruzamentos tensos ou, neste jogo, quando o muro adversário estava no máximo da altura, com um remate fulminante
2 - Alex Telles é, porém, muito mais do que só velocidade, porque sabe concluir esses piques com cruzamentos tensos ou, neste jogo, quando o muro adversário estava no máximo da altura, com um remate fulminante que levava junto o grito da criatividade, velocidade e alma de toda a equipa. Um remate que ultrapassou em excesso de velocidade uma exibição que ficara bloqueada. A criatividade à bomba depois da criatividade veloz ou com técnica curta.
Em nova tentativa de resgatar a sua ideia de jogo, Lage largou Taarabt como segundo avançado, com pele de n.º 10. Ele foi o nome próprio da criatividade da equipa com bola contra o Gil. Camuflado na faixa, Rafa deixou os princípios do corredor central, mas não resgatou a velocidade profunda pela faixa. Sem ele vivo, o ataque à profundidade (criação de espaços nas costas da defesa adversária) também tinha nome próprio: Vinícius. Juntos, Taarabt e Vinícius, criatividade mais profundidade, fizeram, num rasgo, o golo.
Ao alinhar o seu duplo pivô mais lento e curto da época, Weigl e Samaris, ambos posicionais, o Benfica segurou o processo defensivo, mas prendeu a saída na transição defesa-ataque
3 - Ao alinhar o seu duplo pivô mais lento e curto da época, Weigl e Samaris, ambos posicionais, o Benfica segurou o processo defensivo, mas prendeu a saída na transição defesa-ataque. Mesmo sofrendo cedo, o Gil nunca perdeu as suas referências de organização competitiva, que começam no duplo pivô Soares-Claude, posicional e/ou rotativo. Soube ir-se esticando no jogo, com Lourency, Hugo Vieira e Lino, para crescer nos últimos metros.
O Benfica acabou o jogo quase taticamente paralisado de medo. O reflexo disso foi recuar e quase não ter bola em segurança, porque, quando nesses casos, a reação natural duma equipa, para se sentir mais segura, é, em vez de buscar a bola, buscar ocupar os espaços primeiro, fechando e recuando. É instintivo.
Numa das últimas análises, falei do FC Porto de Conceição como a equipa mais criativa (na variação de sistemas e eficácia com que os utiliza), em contraste com a dificuldade do Benfica de Lage em descobrir novas estradas táticas
Variações e rotinas
Numa das últimas análises, falei do FC Porto de Conceição como a equipa mais criativa (na variação de sistemas e eficácia com que os utiliza), em contraste com a dificuldade do Benfica de Lage em descobrir novas estradas táticas (preso ao 4x4x2 com segundo avançado "resolve-jogos") e o fenómeno do 3x4x3 (ou 5x4x1, quando precisa) do Braga de Amorim, a nascer feliz sem variar o sistema.
O treinador que, porém, muda mais os sistemas é Silas. O seu Sporting já surgiu com variantes da defesa a três, do 3x4x3 ou 3x4x1x2 (ou 5x3x2 a fechar), e ainda com 4x3x3, 4x4x2 e o mais racional 4x2x3x1, em que a equipa parece estacionar com maior consistência. O problema é a eficácia do jogar de muitos desses sistemas sem antes os treinar em profundidade, e isso nota-se em muitos jogos em que se percebe o que a equipa quer fazer, mas também se nota ao mesmo tempo que não o consegue fizer por falta de afinação dos princípios de movimentação pedidos. Esta parte tática tão diversificada necessitava de pré-época. Não sei se Silas está mesmo condenado a sair. Se assim for, o Sporting mata mais um treinador sem o ter com princípio, meio e fim. Só meio. Até lá, terá apenas de fazer mais vezes possível aquilo que... faz melhor.
MODELOS
Nilton em 70 metros
Criou um impacto enorme no onze do Belenenses, onde fez a formação. Agora, aos 18, Nilton Varela, saído das equipas sub-19 e sub-23, joga como lateral-esquerdo solto num sistema de defesa a três em que tanto se destaca pela forma como defende ou como recua rápido para fechar, então já numa linha de cinco. Resistente fisicamente sem ser muito forte, faz o corredor todo, comendo 70 metros atrás e à frente sucessivamente. Será interessante seguir o seu crescimento.
Paços de Ferreira: concentração
O penálti no último minuto devora o jogo, mas na base da vitória do Paços sobre o Famalicão do "futebol-tricô desde o pontapé de baliza" esteve a concentração tática dum 4x2x3x1 gerido por Luiz Carlos-Eustáquio, com sentido posicional inabalável, adiantando Pedrinho. Soltou alas e um bom n.º 9, mas foi o revolvido Uilton que tirou sossego aos famalicenses. Mais do que transições rápidas ou planos ofensivos na raça típica da Mata Real, um jogo mais cerebral atrás da linha da bola. É pela organização defensiva que o Paços pode (tem de) crescer. É na velocidade dos últimos 25/30 metros que pode ganhar.
Davidson e Edwards
Edwards e Davidson suscitam uma engraçada contradição. Quando começa a jogada, criativo, Edwards parece-me brasileiro, mas quando chega o momento da acabar, vejo que, afinal, é inglês. Em vez da arte egoísta, torna-se sério e o lance por vezes perde-se ao pensar demais. Davidson é sincero a começar e acabar. Em vez da finta malandra brasileira, a técnica raçuda europeizada. Sem alterar sensações. Até podia ser inglês, mas, ilusão, é brasileiro sempre. São impulsos, brincando com os estilos.