PREMIUM >> Há vinte anos já eu fazia (neste e noutros jornais) equipas-sombra, sem Wyscout e YouTube. Hoje, a geração "copy-paste" vive no facilitismo
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1 - Mais do que pensar em quando recomeçar, urge pensar em como recomeçar. É a diferença de uma simples palavra - "quando" ou "como" - que torna diferente como os clubes devem encarar uma pausa forçada que ameaça esta época mas permite preparar melhor a próxima.
Sei, naturalmente, que os inevitáveis apertos financeiros (próprios e do mercado) condicionam opções, mas todo este tempo sem a pressão dos jogos permite maior tranquilidade para (re)pensar opções e políticas desportivas. É o tempo de as "estruturas" mostrarem o que valem.
2 - Leio o Benfica a falar do seu modelo de scouting e, descontando o "cliente final" e o primado da moldura económica que cada jogador traz antes de chegar e a que leva quando sai, vejo falar em "equipas-sombra" como uma ideia-elixir, quando esta já existe há quase duas décadas em qualquer clube médio com alguém que pense dentro.
É engraçado como agora as vejo em escritórios de empresários hoje famosos (então a começar) em arquivos de recortes desse tempo. Via então os jogos por canais da parabólica, nos quais gastava fortunas
Lembro como, antes do Wyscout ou do YouTube, as fazia (neste e noutros jornais) com jogadores de todo o mundo. É engraçado como agora as vejo em escritórios de empresários hoje famosos (então a começar) em arquivos de recortes desse tempo. Via então os jogos por canais da parabólica, nos quais gastava fortunas. Tudo isto me faz, ironicamente, sentir divertido e velho. É uma combinação confusa. Como os tempos que vivemos, afinal.
Mourinho definiu na perfeição esta nova geração: a geração "copy-paste". Há, atenção, muita gente válida, mas, confesso, faz-me confusão ver a babilónia incaracterística em que se torna a cada época o onze/plantel do Sporting, ou como o FC Porto não consegue contratar um lateral-direito de excelência, e vai de Janko a João Pedro até Manafá.
São, claro, mais problemas de estrutura do que dos soldados que lhes obedecem. O Benfica e a sua legião de jogadores contratados já para serem emprestados reflete uma "estratégia cavalo de Troia" em muitos clubes. Agora irão ter de regressar. Para onde?
3 - O "copy-paste" e a geração que nasceu com ele tomaram o poder. Fazer uma equipa-sombra é hoje fácil com os meios tecnológicos ao dispor, mas nada que se torne mais fácil se torna melhor, mais rigoroso e com maior qualidade. Torna-se de consumo instantâneo. A avaliação/contratação de um jogador tornou-se demasiado fácil, quando é impossível, em muitos casos, ser feita dessa forma. Por isso se erra tanto e antes se acertava muito mais.
Dizer que um jogador tem valor e talento é fácil e rápido. Dizer que um jogador não tem esse valor e não serve exige muito tempo e sabedoria de análise. Ora, pensem bem nestas duas últimas frases. Está lá o alçapão da atual geração "copy-paste", o melhor amigo do erro. Caem vezes de mais.
Modelos
Fábio Vieira, que jogador!
Com o presente parado, é ideal projetar o futuro. Olho o mundo FC Porto, vejo a classe de condução construtiva de Vítor Ferreira, médio de "corte e cola sem tesoura", mas onde fico mesmo alucinado é quando, de qualquer lado, Fábio Vieira (clube ou seleção) olha para o jogo e depois trata a bola e o passe. No fundo, tudo junto, como trata o jogo. O seu, com olhos por todo o corpo e de longo alcance, e os da equipa, que se ilumina toda quando ele joga e faz jogar. Craque de futuro perfeito.
Taremi: nível alto
É natural ver Taremi nas primeiras páginas como alvo de Benfica e Sporting. A sua qualidade tem a "password" para alinhar num grande. Não é fácil, porém, para os jogadores iranianos conquistarem logo de início essa credibilidade de mercado. Ou seja, necessitam sempre de uma prova intercalar de valor num dito clube médio.
Tenho dificuldade, muitas vezes, em perceber essa linha de raciocínio. Existe, naturalmente, a necessidade de contextualizar os locais de expressão do talento e tentar perspetivar se eles se poderão expressar da mesma forma num nível mais alto, mas travar avaliações de qualidade indiscutível por esse "vício de avaliação da origem" é um erro primário do scouting.
Joelson: Travessura
Olho para ele e vejo mais um protótipo da formação do Sporting, os extremos truculentos, muitos (como Joelson) com genes africanos, uns com visão de movimentos, outros de impulsos. Uns foram longe na carreira, outros não. Joelson tem o primeiro traço da travessura. Aos 17 anos, teria de começar assim. Para saltar para a primeira equipa, necessita do resto. Que é muito. Passar o jogo dos pés para a cabeça. Não adianta colocá-lo na Lua sem antes ter os pés a fintar e correr na terra, com critério.
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Senti a forma como Ivo Vieira falou sobre não ter convite para renovar como um lamento por essa ausência
Qual a situação de Ivo Vieira?
Não duvido que o Vitória esteja a avaliar a situação e a agir em conformidade, mas tenho dificuldade em perceber a questão criada em relação à continuidade ou não de Ivo Vieira. Explicação? A atualidade tem duas caras. É tempo de tomar decisões. Não é tempo de tornar públicas essas decisões.
Senti a forma como Ivo Vieira falou sobre não ter convite para renovar como um lamento por essa ausência, em face do que tem sido esta sua época no clube. É natural que o sinta. O Vitória atravessa uma fase de transição e nova afirmação diretiva (e sua estrutura de futebol), mas o pior em que pode cair é querer as coisas demasiado depressa. Ou seja, elas acontecerem por acontecer, sem bases que suportem os degraus de crescimento desportivo de que o clube necessita (competitividade da equipa e suas estruturas de trabalho). O negócio do futebol tem muitas tentações.
Durante a época, em analises técnicas, tenho referido como a equipa tem mudado vezes demais a ideia de como jogar a meio-campo. A ideia de jogo, no entanto, é pacificamente positiva. O que ainda faltava (ou falta) jogar desta época pode mudar os resultados. Mas, nesta fase, já não faz sentido mudar a ideia sobre o treinador. Por isso o estranhar da indefinição.